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“É muito importante que o ambiente físico seja normalizado o mais rapidamente possível”, diz o psicólogo Christian Kristensen, pesquisador do Núcleo de Estudos em Trauma e Estresse da PUC do Rio Grande do Sul. “As pessoas ficam com sentimento de vulnerabilidade”, diz a psicóloga carioca Marcele de Carvalho, do Centro Psicológico de Controle do Stress. Para o sociólogo Renato Lima, secretário-geral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio sofre com um esquema tático de guerrilha que foi adotado pelos traficantes. Diz ele: “O que está acontecendo são reações esperadas. Diante de uma restrição de seus territórios, o crime reage para provocar o pânico e desestabilizar a polícia, numa tentativa clara de criar acordos.” Ele acredita que o governo deva continuar a investir pesado na análise de informações como uma medida de prevenção ao crime organizado: “O Estado não pode retroceder.” Era justamente isso que tinham em mente os comandantes da polícia quando planejaram a maior operação da história da polícia carioca, a tomada da Vila Cruzeiro, com um contingente de 500 homens. Ao fim do dia, a comunidade, tida como reduto intocável do tráfico, voltou para as mãos do Estado. “Pertence a quem mora nela”, disse o delegado Rodrigo de Oliveira, diretor da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), a unidade de elite da Polícia Civil.

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BALAS PERDIDAS
Moradores se desesperam e policial toma posição no Jacarezinho

 

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ALVO
Daniele teve seu carro queimado pelos criminosos
na frente de casa, no bairro da Tijuca

 
 

A Vila Cruzeiro se transformara em QG dos bandidos porque uma infinidade de traficantes expulsos dos morros nos quais foram instaladas UPPs se refugiaram no Complexo do Alemão (engloba cerca de 40 favelas). Nele, estima-se que pelo menos 600 bandidos viviam armados até os dentes – como são aproximadamente 400 mil moradores, subtraiam-se esses 600 e temos a esmagadora maioria da população local que sacoleja no trem para ir e voltar do trabalho honesto. O apoio da Marinha foi determinante. Ao lado dos policiais militares, os fuzileiros navais apontavam armas na direção do morro e também eram eles que guiavam os blindados especiais M113, semelhantes aos vistos na guerra do Iraque. Enquanto o barulho dos tiros indicava que uma guerra era travada no morro, no asfalto o clima era de curiosidade, perplexidade e medo – ou tudo junto. Lojas, bancos, postos de gasolina e lanchonetes foram fechados. Nas ruas poucos automóveis circulavam e o que se via era um desfile de tanques, carros de combate e blindados da polícia – os já conhecidos “caveirões”. Enquanto algumas pessoas corriam apavoradas tentando se proteger do fogo cruzado, outras caminhavam em direção aos pontos de concentração dos policiais e fuzileiros como se fossem assistir a um espetáculo. “Meu filho pediu para ver o que estava acontecendo e eu o trouxe”, contou com tranquilidade a dona de casa Rachel Nigri, 45 anos, ao lado do pequeno Guilherme, 8. Ela mora na região há mais de três décadas e se diz acostumada aos conflitos entre traficantes e policiais. “Estou torcendo pela implantação de uma UPP na comunidade.” Ao longo do tempo em que durou o tiroteio, a estudante Aline da Silva, 16 anos, filmou toda a ação com o celular. “Moro na favela há cinco anos e a presença da Marinha é uma boa novidade”, disse ela.

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TERRITÓRIO
O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame,
diz que a polícia não sairá mais das zonas atacadas

 

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Não foi somente a parceria entre polícia e Forças Armadas que marcou a reação das autoridades. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva atendeu prontamente aos pedidos do governador Sérgio Cabral: a Polícia Federal cedeu 300 homens e as Forças Armadas, outros 800 que na sexta-feira cercaram o complexo do Alemão, para onde haviam fugido os traficantes da Vila Cruzeiro. “Os traficantes faziam as barbaridades e corriam para os seus redutos, protegidos por armas. É importante prender essas pessoas, mas o vital é retirar-lhes o chão. Ficam vulneráveis quando rompemos o muro que os protege”, diz o secretário Beltrame. “O Estado está se afirmando de uma maneira que me parece adequada, o Rio está mostrando que é forte”, diz o procurador Denílson Feitoza. “A presença da polícia nas comunidades é muito importante, porque cria a base para políticas sociais.” Mesmo após a enérgica reação policial, os bandidos insistiram em atentados na sexta-feira, fato que era esperado pelo próprio Serviço de Inteligência e pelo Centro de Gestão de Crise. Da mesma forma, também era aguardado que eles começassem a demonstrar certo grau de desarticulação. A socióloga e ex-diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública Jacqueline Muniz acredita que as ações do governo são corretas na medida em que ele conta com a capacidade de saber o que o inimigo está planejando. “Os atos de terrorismo se beneficiam da surpresa e aleatoriedade. O poder público tem de reagir com previsibilidade e regularidade de ações”, diz ela. A rigor, o Estado antecipar-se às ações do terror ou “fingir taticamente” que não sabe que elas vão acontecer para trazer a seu favor o “fator surpresa” é vital para a eficácia da repressão. O governo está fazendo a sua parte e a população o aplaude. Tem, no entanto, de ir além do bater palmas. Não é nada raro que pessoas de classe média e classe média alta consumam drogas e considerem que o dinheiro que dão em troca seja diferente, por exemplo, do dinheiro que o favelado ou o bandidos usam para se drogar. Ilusão. Ou seja: é como se falassem, valendo-se simbolicamente de uma redoma de assepsia social, “eu uso drogas de forma recreativa e nada tenho a ver com o financiamento do narcotráfico”. Tem a ver, sim. Vale, portanto, refletir no que diz taxativamente o secretário Beltrame: “Quem consome drogas financia o tráfico e joga contra os nossos objetivos.”

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