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FUTURO
Namorada brasileira aguarda Battisti em Brasília

 

O italiano Cesare Battisti, cuja extradição por ações terroristas é reivindicada pelo governo Silvio Berlusconi, recebeu na quarta-feira 24 uma visita especial no presídio da Papuda, em Brasília. Trata-se de Joice Lima, uma mulata exuberante de 25 anos que o italiano já namorava antes de ser preso no Rio de Janeiro, em março de 2007. Hospedada na casa de uma militante de esquerda em Brasília, Joice intensificou os contatos com o namorado nas últimas semanas, por causa da expectativa de que ele comemore fora das grades o aniversário de 56 anos, em 18 de dezembro. É quase certo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decida pela não extradição de Battisti nos próximos dias. Lula passou um ano em silêncio desde que o Supremo Tribunal Federal determinou que a última palavra sobre o caso é do titular do Palácio do Planalto. Mas, assim que terminou a campanha eleitoral, Lula deixou claro que o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, preparava o parecer que sustentará a decisão. “Estou confiante, mas em direito e em política não se ganha nada de véspera”, contemporiza o advogado de Battisti no Supremo, Luís Roberto Barroso.

No Brasil e no Exterior, integrantes de uma ampla rede de apoio ao italiano discutem agora as estratégias para a nova fase. Na ala da Papuda que divide com policiais condenados pela Justiça, o próprio Battisti tenta não criar expectativas demasiadas em relação à liberdade. “Como não estou certo do que acontecerá, fica difícil me projetar fora das grades depois de tanto tempo na prisão”, disse Battisti à ISTOÉ, por meio de mensagem transmitida por Joice. “Tento controlar o nervosismo e a ansiedade tomando calmantes.” No mesmo dia, Battisti despachou mais uma mensagem, para o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh. Reiterou que, recebendo o sinal verde de Lula, deseja deixar a Papuda em companhia do advogado, viajando em seguida para São Paulo. “Ele tem uma memória trágica do Rio”, lembra Greenhalgh, referindo-se ao cenário da prisão do italiano.

Battisti, que pretende ficar ao lado de Joice tão logo saia da cadeia, não deseja a proteção do advogado por acaso. Com longa tradição na defesa dos direitos humanos, Greenhalgh é também conhecido por ter providenciado guarida a perseguidos pelas ditaduras militares que imperaram na América Latina até a década de 1980. Como outros parceiros da rede de apoio a Battisti, o matemático argentino Carlos Lungarzo, integrante da Anistia Internacional, acredita que, mesmo no Brasil, o italiano possa ficar vulnerável a ataques de grupos de extrema direita de seu país de origem. “Ele já sofreu uma tentativa de sequestro na Córsega”, diz Lungarzo, referindo-se a episódio ocorrido na ilha, região administrativa da França, quando Battisti estava foragido.

O longo período de fuga, as ações na Itália como militante da organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) e os 42 meses de cárcere no Brasil são etapas da vida que Battisti pretende arquivar tão logo atravesse o portão da Papuda rumo à liberdade. Pelo planejado, será uma saída discreta. Grupos autônomos brasileiros acostumados a promover manifestações em solidariedade a Battisti – como o Crítica Radical e o Passa Palavra – desta vez ajudarão preservando o silêncio. Determinado a não ter mais nenhum tipo de atividade política, o italiano quer se dedicar apenas a atividades culturais.

Escritor profícuo, Battisti tem a maior parte de sua obra publicada na França (leia quadro). Sua faceta literária é pouco conhecida no Brasil. Um dos fundadores do site Cesare Livre!, o antropólogo Paíque Duques Lima está empenhado agora em preparar outro portal eletrônico, para divulgar o trabalho literário do italiano. “O momento mudou”, resume o antropólogo. Condenado à revelia na Itália por quatro assassinatos cuja autoria ele nega, Battisti passou quase três décadas tentando escapar da Justiça italiana, incluindo o período vivido na França sob a proteção do governo François Mitterrand. Criador da chamada Doutrina Mitterrand, o presidente se recusava a extraditar militantes que haviam atuado na Itália nos anos 1970.

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Depois de viver 15 anos na França, Battisti começou uma trajetória de fuga assim que o sucessor de Mitterrand, Jacques Chirac, passou a adotar uma política diferente em relação aos pedidos de extradição da Itália. Por uma rota inusitada, que incluiu uma escala em Cabo Verde, na África, e outra em Fortaleza, no Ceará, o italiano chegou ao Rio de Janeiro. Clandestino, escrevia um romance com toques autobiográficos quando foi preso em Copacabana durante operação envolvendo a Interpol. Desde então, os amigos que havia feito no círculo de intelectuais e artistas de Paris jamais o abandonaram. Em movimento batizado como Les Amis de Cesare e liderado pela escritora francesa Fred Vargas, eles agregaram centenas de outras personalidades em torno de uma campanha pela libertação do italiano. Na noite da sexta-feira 26, os integrantes mais ativos do grupo tinham uma reunião marcada no bairro parisiense de Montmartre para discutir como poderão ajudar daqui por diante. Por enquanto, Battisti tem definido apenas a atuação exclusiva como escritor e a pretensão de passar o resto da vida no Brasil. Não sabe exatamente em qual cidade. Seja em qual for, quer um espaço onde possa receber sem grades os irmãos – Vincenzo, Domenico, Assunta e Rita –, que vivem na Itália, e as filhas Valentina e Charlène, que moram em Paris.

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