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LIVRE
Com o advogado José Luis Oliveira Lima
na saída do 40o DP, em São Paulo

 

Chorar foi a primeira reação de Roger Abdelmassih, 67 anos, ao ser informado por telefone, por volta das 16h da terça-feira 23, de que havia sido condenado a 278 anos de prisão por ter abusado sexualmente de 39 mulheres. Na sequência, veio o desabafo: “Meu Deus.” Em um trabalho exemplar, principalmente pela agilidade, a juíza Kenarik Boujikian Felippe, da 16ª Vara Criminal de São Paulo, proferiu a sentença um ano e dois meses depois de ter ouvido 250 pessoas e analisado dez mil páginas de provas, algo raro na costumeira morosidade da Justiça. Ela conduziu tudo com mão de ferro e marcou depoimentos todos os dias durante vários meses, conta o promotor público do caso, José Mario Barbuto.

Notório especialista em fertilização in vitro, médico predileto das celebridades, Abdelmassih, mesmo rico e tido como o todo-poderoso da área de reprodução humana no País, não escapou da Justiça. Sua condenação deu uma injeção de esperança principalmente naquelas mulheres que, mesmo na condição de vítimas de estupro ou tentativa de estupro, não acreditavam que alguém com esse perfil pudesse ser condenado. Mas Abdelmassih já deve ter enxugado suas lágrimas, porque ele soube que são grandes as chances de não pagar o que a Justiça cobra dele. “A pena é alta? É. É adequada? Não”, reclama o promotor de Justiça Luiz Henrique Dal Poz. “Soa esdrúxulo pedir aumento de pena para uma pessoa condenada a quase 300 anos, mas vamos recorrer”, diz Barbutto, que prepara recurso para ser protocolado no Tribunal de Justiça paulista pedindo a modificação da sentença.

Apesar dos 278 anos de condenação, o médico, na teoria, pode se beneficiar da pena recebida. A juíza Kenarik, mesmo relatando o horror dos crimes de Abdelmassih – “(as pacientes) jamais imaginariam que o médico em quem depositavam confiança pudesse praticar aqueles atos, beijá-las na boca, ‘com língua’, pudesse passar a mão em seus corpos, ou ainda, em alguns casos, praticasse ato libidinoso invasivo (conjunção carnal)”, escreveu ela na sentença –, aplicou pena mínima de seis anos para cada um dos estupros consumados e dois anos para cada uma das tentativas. No total, ele respondia a 56 acusações. “Um médico que subjugava as vítimas como ele não pode pegar o mínimo”, defende Dal Poz.

Uma nova audiência deverá ser marcada. Se a defesa de Abdelmassih, que é capitaneada pelo ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, conseguir protelar a decisão final e fazer o médico permanecer na condição de réu por mais três anos, quando ele completa 70, a prescrição dos crimes cometidos cairá pela metade – em vez de ser em 2022, passaria para 2016. “Não estamos falando, portanto, de uma punição exemplar. Mas, por conta da quantidade de crimes que ele cometeu, mesmo aplicando a pena mínima para cada um deles, chega-se a uma condenação alta”, opina a criminóloga Ilana Casoy.

Foi em sua casa, em luxuoso bairro paulistano, que o médico tomou conhecimento de todos esses pormenores. Em liberdade desde dezembro de 2009 graças a um habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal Federal, ele jantou com Thomaz Bastos na noite da sentença. No dia seguinte, tomou café com José Luis Oliveira Lima, outro advogado de defesa que declarou a intenção de recorrer da sentença. Abdelmassih, que ficou quatro meses ao lado de outros criminosos, no ano passado, em uma penitenciária em prisão preventiva, desfruta atualmente da companhia da esposa, a procuradora da República Letícia Maria Sacco, 34 anos, que pediu licença no trabalho para ficar ao lado do marido. Um mês e meio atrás, os dois, que já haviam se casado de papel passado, subiram ao altar em uma cerimônia para meia dúzia de convidados, em uma pequena igreja, em São Paulo. Dois meses antes, Larissa havia perdido o bebê que o casal esperava.

Nesta semana, o mérito do habeas corpus que colocou Abdelmassih em liberdade será julgado no STF. Se as algemas da Justiça prosseguirem longe de seu encalço, ele poderá seguir com sua tranquila rotina. Leitura em casa, visitas a amigos, viagens com a esposa até Jaboticabal, no interior de São Paulo, onde residem os pais dela, e finais de semana em sua fazenda. Proibido de praticar a medicina desde que seu registro foi cassado, em julho, pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, ele chegou a se desfazer de terras onde plantava e comercializava laranjas. “Ele era um grande produtor”, conta um amigo.

Mas a tranquilidade financeira também lhe foi devolvida desde que sua conta bancária foi desbloqueada em setembro. Seus filhos, o obstetra Vicente e a biomédica Soraya – parceiros na antiga clínica, onde eram realizados 120 ciclos de fertilização por mês e que foi fechada há um ano –, abriram um novo centro de reprodução assistida. Fica na mesma avenida onde o pai fez fama fertilizando mulheres e, algumas vezes, aproveitando-se da sedação para ferir a dignidade delas.

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