Fosse para evitar as comparações óbvias – que ainda a deixam com uma ligeira cara de desaponto –, a cantora Maria Rita poderia ter dado uma guinada radical na carreira, iniciada há quatro anos, e lançado um disco totalmente diferente do primeiro. Quer dizer: mais pop e sem nenhuma filiação com a melhor MPB. Cacife ela tem para isto. Numa época de baixas vendas, Maria Rita, o primeiro, já vendeu quase 900 mil cópias. Na mais recente edição do Grammy latino, a cantora levou três prêmios, inclusive o de revelação. E acaba de receber o título de primeira artista brasileira com lançamento mandatório no mundo. Isso significa que, até fevereiro de 2006, Segundo, o mais aguardado disco brasileiro do ano, tem lançamento garantido em todos os países onde a Warner Music, sua gravadora, tem representação. Nos Estados Unidos, por exemplo, ele chega às lojas dia 26; na América Latina, no dia seguinte. Com todas essas credenciais, Maria Rita poderia fazer o que quisesse que a Warner acataria. Mas a moça de 28 anos, mãe de Antonio, quis que Segundo fosse exatamente – e tão bom – como o primeiro. O belo trabalho traz a mesma formação de piano, baixo e bateria, a mesma sonoridade popular-sofisticada, igual aposta em novos nomes e a total reverência aos mestres – no caso o Chico Buarque de Sobre todas as coisas, lindamente revisitado.

A escolha não deve ser vista como uma sujeição às regras do mercado. Esconde um lado de pirraça. Isso fica óbvio ao se perceber de cara que Segundo é “a cara” de Maria Rita. Sim, aquela cantora que surgiu radiante como convidada num show para 80 pessoas e um ano depois cantava para 60 mil é Maria Rita. E ponto. Alçada à condição de estrela em tempo recorde, ela agora quer desfazer a espécie de conto de fadas fonográfico que protagonizou. Seus olhinhos pretos dançam ao falar do papel inventado da princesa de voz maravilhosa, escondida por oito anos na selva das cidades de Nova York, quando viveu com o pai, o pianista e arranjador Cesar Camargo Mariano. Os olhos – segundo ela, puxados do pai e não de Elis Regina – não se agitam apenas por força do mezzo-astigmatismo, mezzo-hipermetropia que lhe dão um ar sapeca. É raiva mesmo. “Insinuar que alguém esconde a filha, esse tipo de maldade ninguém tem o direito de fazer”, afirma. Mais do que o personagem de fábula, incomoda-a o de diva intocável. “Não sou velha, sou um moleque. O pessoal mal sabe a maluca que eu sou. Chego em casa, tiro o sapato, ando descalça, de moleton”, conta ela, scarpin preto nos pés, blusa também preta e uma bermuda verde – tudo muito fino – que deixa ver nas costas parte de uma tatuagem de caracteres egípcios.

Maria Rita fala do passado recente como se fosse coisa de anos. “Naquela época, eu brincava que era o Capitão Gancho e era um gancho só. Qualquer coisa era motivo: ou porque eu era filha de Elis e Cesar, irmã do Pedro (Camargo Mariano, cantor), do João (Marcelo Bôscoli, baterista e dono da Trama). Mas se existia um motivo real era que eu queria cantar.” E Maria Rita está cantando esplendidamente. Basta ir direto à faixa sete e ouvir a versão de arrepiar que deu para Sobre todas as coisas (Edu Lobo/Chico Buarque), escondida na trilha de O grande circo místico na voz de Gilberto Gil, que ela brinca ter gravado não por coragem, mas “por cara-de-pau mesmo.”. “Estava incerta se deveria gravá-la, porque se trata de uma obra-prima, tanto do Chico como do Gil. Pensei até em ligar para o Gil e pedir para ele: posso gravar, você deixa?”, conta. As 11 faixas restantes são todas de gente de sua geração, como Marcelo Camelo, Francisco Bosco (filho de João Bosco), Paulinho Moska e Rodrigo Maranhão, da banda Monobloco, autor da faixa de trabalho Caminho das águas, um maracatu embebido de nostalgia.

Comunicóloga – O uruguaio Jorge Drexler fez para ela a balada meio-bossa Mal intento, que Maria Rita canta em espanhol. “A gente se encontrou num restaurante da Vila Madalena e ficou um tempão conversando. Quando ele me disse que era formado, otorrino, eu falei: então eu sou comunicóloga”, brinca. Explica-se: Maria Rita estudou comunicação social e estudos latino-americanos na Universidade de Nova York. Ela conheceu Drexler num show privado para o publicitário Washington Olivetto. Portanto, antes do cantor ganhar o Oscar. Olivetto, aliás, cuidou pessoalmente da campanha de lançamento de Segundo, que já chega às lojas com 250 mil cópias vendidas – 180 mil na edição simples e 70 mil na edição especial, com o DVD do making off. Segundo Marcelo Maia, diretor de marketing da Warner Music Brasil, a expectativa é que Segundo atinja a marca do anterior em um ano. “Maria Rita foi um dos maiores cases nos últimos dez anos no Brasil. Esperamos superá-lo”, afirma.

De seu lado, Maria Rita se mostra tranqüila com a revolução instalada na sua vida. “Graças a Deus, de um ano para cá eu tenho aceitado que nem tudo o que está acontecendo comigo eu vou conseguir entender, e isso me coloca numa posição mais serena em relação à vida toda em geral.” Ela afirma que, no início, até computava para baixo o número de discos vendidos, para segurar a barra. “Carreira internacional, por exemplo, era só para dez, 15 anos. Está acontecendo agora, tudo ao mesmo tempo agora.” O que depende do seu controle, contudo, ela guarda para o tempo certo. Um encontro em disco com o pai, por exemplo, considerado um dos maiores arranjadores brasileiros. “Eu ainda não tive coragem de conhecer Chico Buarque, você acha que tenho coragem de entrar em estúdio com Cesar Camargo Mariano?” Filha coruja é isso aí.

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