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GORHAM
Caverna, que está sendo invadida pelas ondas,
foi o lar de neandertais

 

A história está sendo afogada. Em decorrência do aquecimento global, o derretimento das geleiras e de icebergs faz com que o nível dos mares suba – o que pode destruir centenas de sítios arqueológicos no mundo todo. As inundações, junto com a erosão do solo causada pelo choque com as ondas, são as principais ameaças, capazes de destruir evidências históricas de milhares de anos. Na tentativa de ao menos amenizar o problema, pesquisadores dos EUA desenvolveram uma metodologia para classificar o risco a que cada uma dessas áreas está submetida.
“Não é uma crise prestes a acontecer se nada for feito. Isto está acontecendo agora, com efeitos devastadores”, diz Jon M. Erlandson, da Universidade do Oregon, um dos autores do estudo divulgado recentemente na publicação especializada “Journal of Coastal Conservation”. Entre os locais ameaçados estão desde construções da Idade do Bronze da ilha da Sardenha, no mar Mediterrâneo, até sítios bem mais antigos, como as cavernas Gorham e Vanguard, em Gibraltar, conhecidas por abrigar ossos do Homem de Neandertal, hominídeo que viveu há mais de 100 mil anos (leia quadro). Essas cavernas já tiveram porções externas destruídas pelas ondas – e milhares de anos de história engolidos pela água salgada.

A ideia dos pesquisadores é criar um índice para classificar as áreas mais ameaçadas, e assim estimular a preservação ou o estudo do local antes que ele seja destruído pelas águas. A avaliação leva em conta fatores como o histórico de alterações no litoral, a ação das ondas, a inclinação das margens do litoral, a exposição à intervenção humana e o tipo de solo. Para mostrar como funciona o índice, eles usaram como exemplo o Canal de Santa Bárbara, na Califórnia, lar do povo Chumash, que viveu ali há cerca de 12 mil anos. Os arqueólogos classificaram diferentes partes do litoral em cinco graus de ameaça, de “muito baixa” a “muito alta”.

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SARDENHA
Sítios da ilha mediterrânea também estão ameaçados

 

Os pesquisadores alertam que o desenvolvimento urbano também é uma ameaça aos sítios arqueológicos. Segundo Erlandson, perto de metade da população mundial vive até 100 quilômetros distante da costa; destes, cerca de 100 milhões moram a menos de um metro acima do nível do mar. Erlandson afirma que, no último século, o homem teve um papel fundamental na modificação das áreas costeiras, represando rios, construindo cais e fazendo outras modificações na costa, o que acelerou a erosão. “O aquecimento global é mais uma ação humana que está amplificando os efeitos desses impactos antigos”, diz.

Estimativas dão con­ta de que, só neste século, as marés devam subir entre 20 centímetros e dois me­tros, avaliação que alguns cientistas acreditam ser modesta. Para se ter uma ideia, nos últimos 20 mil anos, os mares subiram 120 metros. Apenas identificar as áreas vulneráveis não é o único objetivo dos cientistas. Torben Rick, arqueólogo do Smithsonian Institution e coautor do estudo, acredita que esse é apenas um primeiro passo para reduzir a perda de dados arqueológicos e do patrimônio cultural contido neles. “Temos de agir”, conclui.

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