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Quando a grande torre de 170 metros de altura, que simbolizará Jesus Cristo, estiver ereta sobre a monumental catedral chamada Sagrada Família, em Barcelona (Espanha), pode ser que Antoni Gaudí também esteja mais próximo do céu. O catalão, que há 127 anos iniciou os trabalhos nesse templo religioso e arquitetônico – que agora é conhecido como o último grande santuário do cristianismo, já que o papa Bento XVI, no domingo 7, consagrou a catedral como basílica –, tem galgado degraus rumo à santidade com rapidez. Em junho passado, o processo de beatificação foi aberto no Vaticano e, em 2016, 90 anos após a morte do espanhol, espera-se que ele seja elevado à condição de beato. Daí para se tornar santo faltará um milagre.

Talvez isso aconteça antes da conclusão de sua mais memorável criação. Já passou um século e Gaudí não conseguiu, em vida ou depois de sua morte, o milagre de fazer a totalidade das colunas da Sagrada Família subir às alturas. Esse feito, esperam os atuais responsáveis pelas obras, deve acontecer em 2026, ano do centenário de falecimento do mestre. Até lá, pela primeira vez na história da Igreja Católica, um artista profissional, no caso Gaudí, deverá ser declarado santo. O fato de o papa, em visita à Espanha, ter se dedicado à Sagrada Família dá força, segundo Josep Maria Tarragona, um dos fundadores da Associação Pró-Beatificação de Antoni Gaudí, à fama de santidade do catalão. “A verdade é que a secularização está avançando na Europa e a Igreja precisa eleger símbolos que falem para o mundo todo”, diz o teólogo Jorge Cláudio Ribeiro, professor do departamento de ciência da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Necessita de artilharia pesada porque a infantaria não está dando conta do recado.”

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Procurar não religiosos que sejam alçados à santidade é a tendência da Santa Sé. “O final do século XX e o início deste são fortemente marcados pela vivência católica cristã de leigos”, afirma a irmã Célia Cadorin, referência em canonizações no Brasil, responsável pelos processos dos dois únicos santos do País, Madre Paulina e Frei Galvão. Das 18 causas em que ela está envolvida, atualmente, em São Paulo, duas se referem a crianças e uma a um advogado. O leigo Gaudí tornou-se atraente para a Igreja Católica graças ao papa João Paulo II, que ficou fascinado ao descobrir que o arquiteto modernista radical era, ao mesmo tempo, um homem profundamente devoto e piedoso. E, assim, em 2000, o processo começou.

O pontífice polonês soube que o arquiteto catalão se converteu a uma vida de austeridade e oração aos 31 anos depois que uma mulher recusou sua proposta de casamento e se tornou freira. Homem rico e elegante, adepto de roupas extravagantes e que distribuía ordens sem descer da carruagem, Gaudí, então, renegou sua vida abastada. O ápice do seu modo de ser se deu, em 1883, ao abraçar o projeto da Sagrada Família, projetada em um dos bairros mais pobres de Barcelona, à época. Gaudí acreditava ser essa a tarefa que Deus lhe destinara para o resto da vida. Desde então, não teve um dia em que o arquiteto não trabalhasse na construção do templo – sem deixar de ler a “Bíblia”, rezar o terço e frequentar a missa. Uniu famílias desestruturadas, converteu pessoas ao catolicismo e ajudou desempregados, segundo os testemunhos colhidos pela associação pró-beatificação. O espanhol Tarragona, que irá enviar ao Vaticano uma biografia documentada das virtudes do arquiteto no início de 2012, garante possuir o testemunho de uma pessoa que diz ter sido inexplicavelmente curada de uma grave úlcera depois de rezar para Gaudí.

Independentemente da elevação do arquiteto a santo, basta caminhar pela cidade catalã que qualquer crente irá cruzar com sinais de fé. A Casa Batló, a menos de dois quilômetros da Sagrada Família, exibe uma cruz e um São Jorge. A Casa Milà foi concebida como altar de uma grande imagem da Virgem Maria, que não chegou a ser colocada ali por conta dos conflitos religiosos e políticos locais. “Gaudí fez uma espécie de rosário urbano”, diz o teólogo e arquiteto espanhol Eloi Aran Sala. Mas é a Sagrada Família, que recebe três milhões de visitantes por ano, que rouba a cena de católicos ou não, extasiados com sua beleza. Quando lembrado de que talvez não estaria vivo para vê-la finalizada, o arquiteto de Deus encolhia os ombros e dizia: “Meu cliente não está com pressa.”

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