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OUVIDOS
Nas reuniões, Dutra fala pouco, anota os pedidos
e ao final promete empenho aos interlocutores

 

Quando retornar de Seul, neste fim de semana, a presidente eleita Dilma Rousseff receberá um relatório de 55 linhas e quatro mil caracteres contendo as demandas dos 11 partidos da coalizão governista por cargos estratégicos no futuro governo. No documento, ao lado de cada legenda governista está expresso o número de ministérios, diretorias de estatais e autarquias da administração federal pleiteado. Abaixo, os nomes indicados pelos partidos para as respectivas vagas. O levantamento foi elaborado pelo presidente do PT, José Eduardo Dutra, a partir de conversas mantidas nos últimos dez dias com dirigentes partidários. Numa sala localizada no primeiro andar do QG da transição, Dutra recebeu uma verdadeira romaria de deputados, senadores e governadores e conheceu, em primeira mão, o tamanho do apetite dos aliados. A fome é grande. A julgar pela quantidade de reivindicações, acomodar a base do governo nesse novo desenho da Esplanada dos Ministérios será uma tarefa hercúlea para Dilma. “Ninguém colocou uma faca no pescoço. Ocorre que todo mundo, além de manter o que tem, ainda quer ampliar espaço. O problema é que todos os partidos cresceram, mas o governo continua do mesmo tamanho”, disse Dutra à ISTOÉ.

De estilo de vida simples, Dutra é, em última instância, o responsável por dividir os 20 mil cargos de nomeação política que têm sido disputados de forma feroz pelo PT e seus aliados. Para dar conta de tamanha responsabilidade, tem cumprido uma agenda de 14 horas diárias de trabalho. Na terça-feira 9, depois de uma manhã agitada, ele compartilhou talheres com a bancada da Amazônia. No menu, um suculento filé ao molho madeira e, algumas vezes, indigestos pedidos de nomeações para a região Norte. À tarde, recebeu líderes do PCdoB e PTB. Mas, desta vez, o cardápio da conversa foi mais amargo, segundo testemunhas dos encontros. É que a promessa de que nenhum partido avançaria no terreno do outro não foi cumprida. O PTB, por exemplo, incluiu entre os seus pedidos o ministério do Turismo, hoje controlado pelo PT. Por causa da proximidade da Copa do Mundo e da Olimpíada, a área passou a ser considerada estratégica. Para a vaga, o PTB indica o nome do ex-presidente da CNI, Armando Monteiro (PE). “Queremos contribuir com a governabilidade, mas ficaríamos mais satisfeitos se voltássemos a controlar o Turismo”, disse Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) a Dutra. Já o PCdoB pleiteou as secretarias da Juventude ou das Mulheres, hoje também nas mãos do PT. Para uma das vagas, o nome sugerido foi o de Manuela D’Ávila.

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TRINCHEIRA
Temer já deixou claro que o PMDB não vai ceder
um centímetro do espaço que já tem no governo

 

Considerado entre os partidos governistas como o grande “conciliador da transição”, José Eduardo Dutra tem precisado de habilidade na hora de tratar das reivindicações dos aliados. Exercitou, principalmente, a capacidade de escutar. “Foi muita conversa, mas minha tarefa principal foi a de ouvir. Ouvi muito”, contou à ISTOÉ. Para seu desespero, no entanto, a tentativa de cobiçar o ministério do próximo não se limitou ao PTB e PCdoB. Na verdade, esse foi o pecado mais cometido em Brasília nos últimos dias. Até mesmo pelo PT, partido presidido por Dutra, mas que teve como porta-voz, essa semana, o secretário de comunicação, André Vargas (PT-PR). Vargas fez chegar a Dutra um dos sonhos de consumo do partido, que já comanda 17 dos 37 ministérios: a Saúde, hoje loteada pelo PMDB. Em contrapartida, o governador reeleito do Rio, o peemedebista Sérgio Cabral, manifestou o desejo de manter a ascendência sobre o setor. Briga à vista? “Estou acostumado com esse tipo de negociação. O ambiente tem sido até colaborativo”, minimizou Dutra. Os petistas também tentam avançar sobre outra área controlada pelo PMDB, as Comunicações, e prometem entrar na disputa acirrada por um ministério de infraestrutura. “O PT quer mais espaço”, diz André Vargas.

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Apesar dos panos quentes colocados por Dutra, que tenta ser o algodão entre os cristais nessa intensa queda-de-braço por vagas na administração federal, quem também entrou numa bola dividida com o PMDB foi o PSB. O presidente dos socialistas, governador reeleito de Pernambuco, Eduardo Campos, pretende retomar o ministério da Integração Nacional, que já foi de Ciro Gomes (PSB-CE). “Mudamos de patamar e queremos espaço proporcional”, reivindica Campos. Porém, se depender do vice de Dilma e presidente do PMDB, Michel Temer, não há negócio com as Comunicações nem com a Agricultura e muito menos com a Integração Nacional. “Vamos brigar para preservar o que já é nosso”, tem dito Temer. Dutra insiste, no entanto, que a tendência é evitar a entrega de ministérios com “porteira fechada” aos aliados, sistema pelo qual haveria a ocupação integral dos cargos de cada pasta negociada. “O governo não pode ser formado a partir de uma soma de feudos”, diz ele.

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“Mudamos de patamar político nessas eleições e queremos espaço proporcional a ele”
Eduardo Campos (PSB), governador de Pernambuco

Oriundo do movimento sindical, Dutra sabe muito bem que a tarefa de acomodação de cargos pode levar qualquer político do céu ao inferno em um curtíssimo espaço de tempo. Ainda está bem viva na memória dos petistas a lembrança de que o ex-presidente nacional da legenda, José Dirceu, caiu em desgraça com os partidos aliados pela maneira como conduziu a articulação política do governo. Hoje, Dutra ocupa o mesmo espaço reservado a Dirceu no passado. Tido como hábil negociador, Dutra minimiza as pressões e garante: “Apesar dos vários pedidos, vai ser possível atender a todo mundo”. É o que também espera a presidente eleita Dilma Rousseff.