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Um cidadão acima de qualquer suspeita caminha hoje em dia pelas ruas de Ipanema, no Rio de Janeiro, quase sempre carregando um violão – ele é professor de música. Os seus passos são invariavelmente apressados, vício do passado, assim como vem do passado uma certa tensão e ansiedade, não remorso, que carrega no andar. Ele se chama Carlos Eugênio da Paz, tem cabelos brancos e 62 anos.

Descrevendo rapidamente o seu presente, mencionou-se o seu passado. Hora então de se voltar no tempo. A sua história é marcada pelo sangue da guerra que se abriu no País em 1968, quando a ditadura militar, fechando o Congresso, censurando a imprensa, prendendo, torturando e matando seus oponentes nos porões do regime, jogou parte da juventude, sobretudo da classe média radicalizada, cada vez mais na resistência através do terrorismo.

Como em todo período de terror, não importa o lado em que se milite, os que têm mais sanguefrio são os que colocam o dedo no gatilho. Eis então o músico Paz na manhã de 15 de abril de 1971, na região dos Jardins, em São Paulo. Foi ele quem deu o tiro de misericórdia no empresário dinamarquês Henning Albert Boilesen, presidente da Ultragás, homem que financiava a máquina de tortura da Operação Bandeirante (Oban) contra os terroristas que combatiam a ditadura.

Financiar, no caso, não é eufemismo, pois Boilesen mandou mesmo vir do Exterior uma perversa engenhoca que dava choques elétricos nos prisioneiros subindo automaticamente a intensidade. Entre os depoimentos que estão no documentário Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski, destaca-se esse de Paz: "Demos um tiro de fuzil para fazê-lo sair do automóvel. Pegou de raspão na cabeça. Mesmo ferido, ele tentou correr.

Dois guerrilheiros saíram atrás dele atirando pelas costas. Ele caiu." Faltava o tiro de misericórdia, à queima-roupa. Paz disparou. Boilesen, o empresário que gostava de pessoalmente descer aos porões para ouvir as vítimas gritarem, estava justiçado. Morto.

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O músico de hoje diz que voltaria a matar se o Brasil novamente mergulhasse nas trevas de ontem. Como é impossível isso ocorrer, também a prática terrorista de justiçamentos está fora de cogitação. Sem ditadura e sem terror, quem sai ganhando é a racionalidade social na forma de Estado Democrático de Direito.

Em 1971, porém, tal racionalidade cedera lugar à sandice do fanatismo e é nesse quadro que Paz ingressou na Ação Libertadora Nacional, grupo terrorista capitaneado por Carlos Marighela. Foi essa organização que assassinou Boilesen, o homem que pagava para ver gente muito jovem estremecer ao ritmo da "pimentinha" – codinome da máquina que ele comprou.

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EM DETALHES O músico Paz (acima) conta como matou Henning Boilesen (na vida real, à dir., e em cena do filme, acima): "Ele tentou fugir correndo, dois companheiros atiraram pelas costas. Eu dei o tiro de misericórdia"


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