No embalo da sanfona
O 1º Festival Internacional da Sanfona prova que o instrumento está mais vivo do que nunca. Ele é tocado por crianças, mulheres e até compõe uma orquestra de 25 músicos

Francisco Alves Filho e Daniela Dacorso (fotos), de Juazeiro (BA)

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EM FAMÍLIA Formado por três irmãs e uma prima, o quarteto paraibano Clã Brasil exibe um forró bem feminino. "Quero cantar as coisas da minha terra", diz a sanfoneira e estudante de música Lucyane

Trazida pelos imigrantes italianos no início do século passado, a sanfona entrou no Brasil pela região Sudeste. Mais precisamente por São Paulo, onde os agricultores oriundos da Itália realizavam festas ao som do accordion. Hoje o instrumento reina para valer em outra região: o Nordeste. No forró, os nordestinos usam a sanfona para sangrar as tristezas, rir da vida, expressar a felicidade. Quem gosta de música – e são poucos os que não gostam – sonha com um instrumento. "Cerca de 60% das vendas de acordeons são feitas no Nordeste", afirma Lauro Valério, presidente da Associação de Acordeonistas do Brasil e representante da marca Scandalli. Uma delas foi parar nas mãos do garoto Daniel Itabaiana, 13 anos, que provou ter feito bom proveito do instrumento. Na semana passada ele foi considerado a jovem revelação do 1º Festival Internacional da Sanfona, realizado nas cidades de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE). "Vou fazer tudo para ser um grande sanfoneiro", disse ele. Esse menino não deseja ter um iPod nem lamenta ter perdido o show do Iron Maiden. Seu sonho é ser como Dominguinhos e Oswaldinho do Acordeon, com quem dividiu o palco no festival.

O garoto não é o único jovem a se encantar pela sanfona. A bela paraibana Lucyane, 23 anos, é a acordeonista, além de vocalista, do grupo Clã Brasil, integrado também por duas irmãs e uma prima. Estudante de música da Universidade Federal da Paraíba, ela está exposta a todas as influências musicais de outros Estados, como o funk carioca e o samba, e de outros países, como o hip-hop e o reggae. Mas prefere o forró. "Quero cantar as coisas da minha terra, dar seguimento à nossa tradição", diz. Os workshops ministrados por Reginaldo Alves Ferreira, mais conhecido como Mestre Camarão, 69 anos, são um bom termômetro dessa paixão. Idolatrado pelos sanfoneiros do Nordeste e famoso por ter integrado o grupo de Luiz Gonzaga, suas aulas atraem jovens de regiões distintas. Cerca de 60 alunos chegaram a Juazeiro vindos de lugares distantes como Aracaju, Recife e Brasília. A maioria, com menos de 30 anos. "Não adianta só criticar os mais jovens. Prefiro o contato com o povo, ensinar aos que querem aprender", explica Mestre Camarão.

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REVELAÇÃO O garoto Daniel ( acima), 13 anos, foi a sensação juvenil do evento. Ele ganhou do pai a sua sanfona de R$ 4,2 mil. Abaixo, a Orquestra Sanfônica de Aracaju, com 25 músicos, em um grande momento do festival

Habitantes da região mais pobre do País, os pais desses jovens aspirantes a sanfoneiros têm que se apertar para comprar o instrumento. "O do meu filho custou R$ 4,2 mil. Tive que juntar dinheiro durante um ano", diz Almiro, pai de Daniel. As top de linha, como a italiana Scandalli, são um sonho distante – estão na faixa de R$ 20 mil. "Não vendemos Fusca, só BMW", compara Lauro Valério.

"O que impressiona é que os maiores compradores estejam nessa região carente." É a força da cultura subvertendo as leis da economia. E o festival mostrou que a paixão atravessa os Estados no estilo vigoroso da Paraíba, na cadência mais dolente da Bahia, no ritmo alegre de Pernambuco, cada qual mais criativo no manejo da sanfona. Tudo sob a inspiração dos geniais Luiz Gonzaga (1912-1989) e Sivuca (1930-2006), cuja arte serve de orientação a todos que se expressam através da sanfona.

Curador do festival e um dos ganhadores do prêmio Grammy 2001, Targino Gondim, autor do sucesso Esperando na janela, só tem elogios para o acordeon: "é um instrumento completo." Ele aproveitou o clima de festa para gravar seu primeiro DVD, com a participação de Elba Ramalho e Dominguinhos. "A sanfona permite vários tipos de interpretação", diz ele. No palco montado às margens do rio São Francisco, as diferentes formações apresentadas confirmam a tese. Com direito a um engraçado – e afinado – trocadilho musical: a presença da Orquestra Sanfônica de Recife e de sua homônima de Aracaju, que colocou 25 virtuoses do gênero debaixo dos holofotes.

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