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Homem moderno

A tela Cabeça de camponês, pintada por Malevich em 1928, retrata o povo russo sob as leis estéticas do suprematismo, aliando tradição e modernidade

 

VIRADA RUSSA: A VANGUARDA NA COLEÇÃO DO MUSEU ESTATAL RUSSO DE SÃO PETERSBURGO/ Centro Cultural Banco do Brasil, Brasília/ de 6/4 a 7/6 KANDINSKY/ Centre Georges Pompidou, Paris/ de 8/4 a 10/9

Algumas das obras-primas de artistas hoje reconhecidos como integrantes da “vanguarda russa” foram criadas a partir de uma fértil combinação entre tradição e modernidade. Em 1928, quando começou a pintar personagens sem rosto, Kazimir Malevich tinha em mente cenas de lavoura, colheita e outros temas frequentes ao trabalho no campo. Essas figuras “semiabstratas”, como Malevich as definia, parecem visões futuristas e robóticas do povo russo. De fato, os camponeses de Malevich têm as feições modernas do futurismo italiano, o movimento que foi uma das referências na formação do jovem artista russo, antes que ele inventasse seu próprio idioma artístico, o suprematismo, que logo se tornaria universal.

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FORMAS PURAS
As obras de Rodchenko, Malevich e Kandinsky recusam o conceito de arte como representação do mundo real

Essa história será contada ao vivo e em cores através das 123 obras realizadas entre 1890 e 1930, expostas em Virada russa, no CCBB-Brasília. A exposição mostra como os artistas russos assimilaram as propostas revolucionárias das vanguardas europeias para então “inventar” a pintura abstrata. O fascínio pela geometrização das formas cubistas foi o que conduziu Malevich e os colegas Vladimir Tatlin, Alexander Rodchenko e Vassily Kandinsky ao desligamento completo da arte como representação do mundo real e à busca de uma forma, pura, original, suprema. Em 1915, quando artistas da Europa Ocidental pintavam cenas urbanas e temas sociais, Malevich radicalizava e restringia-se ao essencial, pintando um quadrado negro, um círculo negro e uma cruz negra sobre fundo branco. Rodchenko, forte referência para o concretismo brasileiro dos anos 50, naquele mesmo ano pintou seu “Círculo branco”, antecipando em décadas os efeitos ópticos das pesquisas da optical art.

A exposição promete ser uma boa aula, já que traz também nomes pouco frequentes nos livros de história, como Vladimir Lebedev, Ivan Puni, Olga Rozanova e Lyubov Popova. De Kandinsky, há apenas três telas dos anos de formação, quando ele ainda pintava paisagens, sob forte influência dos fauvistas franceses e do expressionismo alemão. Sua fase abstrata de fato não pertence ao Museu Estatal Russo, de onde vem a mostra Virada russa, mas divide-se entre coleções públicas e privadas da Europa e dos Estados Unidos, já que o pintor emigrou cedo. Para um conhecimento definitivo da obra completa de Kandinsky recomenda-se a visita à retrospectiva que inaugura dia 8 no Centre Georges Pompidou, em Paris. A mostra, que vai para o Guggenheim de Nova York em 18 de junho, cobre toda a sua vida em um percurso cronológico: os anos do grupo Der Blaue Reiter (O cavaleiro azul), em Munich; a atuação na Bauhaus em Weimar; a volta a Moscou; a passagem por Berlim; a vida e o trabalho em Paris a partir de 1934. Kandinsky talvez seja o que hoje reconhecemos como um “cidadão do mundo”. Nasce em 1866 na Rússia, mas em 1928 adquire a cidadania alemã e em 1939 se naturaliza francês.

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SAIBA MAIS

Instalação de bolso

O PÃO DO CORVO/ Nuno Ramos/ Editora 34/ R$ 25

Em 17 contos, entre narrativas fantásticas e descrições de cenas cotidianas, o novo livro de Nuno Ramos envolve o leitor em imagens às vezes incômodas, às vezes bem-humoradas, e permite conhecer um pouco melhor o pensamento desse artista. Assim como nos textos criados para as suas instalações, seu estilo literário é franco, inconstante – ele muda de assunto sem aviso prévio e, decididamente, não é partidário da linearidade – e intrigante. Ler o livro é como visitar uma de suas instalações.

ROTEIROS

Navegar é preciso, viver não

NUNO RAMOS – MAR MORTO/ Anita Schwartz Galeria de Arte, RJ/ até 16/5

Dois barcos encalhados um no outro, encobertos de sabão, aos quais foram acoplados dois conjuntos de caixas de som. De um desses equipamentos, emana um coro masculino que às vezes mimetiza um apito muito grave, como o de um navio. Assim Nuno Ramos explica sua nova instalação no texto que escreveu e entregou aos cuidados do ator Marat Descartes. Trechos de relatos de naufrágios portugueses, de monólogos de tragédias gregas e divagações sobre clássicos de Mallarmé e Conrad compõem esse texto, que tem como centro a figura masculina. A instalação Mar Morto (Soap Opera 2), construída em cinco meses por 15 homens e com 2.200 quilos de sabão endurecido, apresenta um humor sutil, relativamente novo na obra do artista paulistano.

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Na instalação anterior, Soap Opera 1, o humor era o elemento predominante. Exposta no CCBB-Brasília, em 2008, a obra era composta de duas caixas de som encerradas em sebo endurecido em formato de cachorros. Os objetos transmitiam latidos em forma de canto lírico, a fim de reproduzir a “voz do sabão”. “Eu estou mais velho e, com a idade, a gente aprende que tem que rir um pouco, né?”, diz Ramos.

A temática – o mar – e o material – sabão – já haviam aparecido em trabalhos anteriores. “O mar representa o contínuo, como uma sopa em que se misturam coisas. O sabão aguenta misturar muita coisa e me atrai pelos extremos: das ossadas, na fábrica, ao sabonete. Essa passagem entre imundo e limpo me interessa muito”, diz. Na individual na galeria Anita Schwartz, no Rio, a instalação está acompanhada de duas novas pinturas da série Relevos e com o vídeo Cascos, de 2004. Neste último, uma parceria com o videoartista Gustavo Moura, aparecem também os barcos cortados e a força destruidora do mar. “A violência é uma forma de juntar coisas que não se juntam. Toda violência quebra parâmetros que nos são, ou nos parecem, necessários”, diz Ramos.

Fernanda Assef