A pequena Campo Verde, no sudeste mato-grossense e a 130 quilômetros do centro da capital, Cuibá, bem que poderia se chamar “Campo Branco”. A quantidade de fiapos brancos à beira da rodovia que leva à cidade (que mais parecem flocos de neve), os campos cobertos por plumas até o horizonte e o grande número de caminhões carregados de fardos dão ao visitante uma noção de sua principal fonte de renda: o algodão. O “ouro branco”, que deu o título de capital brasileira do algodão ao município, foi fundamental para a melhoria da qualidade de vida dos campo-verdenses. Graças à invasão das plumas, não faltam empregos e escolas na cidade. O salário médio de quem trabalha nas lavouras de algodão é superior a R$ 600 mensais. Motoristas de colheitadeira, profissão em alta na região, podem ganhar até R$ 1,8 mil por mês. Já um gerente de fazenda não recebe menos de R$ 5 mil. Com uma renda dessas, o comércio local não tem do que reclamar. As casas e prédios da cidade de ruas largas e trânsito tranquilo dão uma noção do padrão de vida de boa parte da população. E as caminhonetes cabine dupla estão se tornando o principal meio de transporte dos produtores que, além do algodão, plantam soja e milho.

Em pleno final de colheita, Campo Verde se prepara para festejar as 95 mil toneladas de algodão em pluma que serão colhidas até o final do mês. Isso corresponde a 8% de toda a produção nacional e a pouco mais de 40% do
que foi plantado em Mato Grosso. São 68 mil hectares de lavoura que empregam
um terço da população de 20 mil habitantes. Pelas contas dos produtores,
para cada dez hectares cultivados com algodão um posto de trabalho é aberto.
Pouco mais de 70% dessa safra já foi comercializada no início do plantio a bons preços – cerca de US$ 18 por arroba (15 quilos). Apesar do valor alto, o plantio de algodão é um dos que têm o maior custo de produção, chegando a R$ 4,2 mil por hectare (chega a ser três vezes maior do que a despesa com o plantio da soja). Fertilizantes e agroquímicos consomem boa parte dos gastos. “A vantagem é que temos clima e capacidade para produzir em grande escala”, explica o produtor Álvaro Salles, que está colhendo 3,3 mil hectares de algodão em Campo Verde e pretende faturar R$ 10 milhões.

A boa fase do algodão começou em 2000, mas corre o risco de ser interrompida
na próxima safra. A redução nos preços internacionais devido à previsão de uma produção mundial recorde (China e Estados Unidos são os maiores produtores) e a indefinição do governo em relação ao plantio do algodão transgênico podem comprometer as lavouras no próximo ano. O dilema dos produtores se resume ao plantio ou não do algodão transgênico. Como é proibido plantar transgênico no Brasil, o algodão brasileiro começa a perder competitividade em relação ao produto chinês, americano e australiano, que já utilizam sementes geneticamente modificadas. Segundo levantamento recente do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia (ISAAA), dos 34 milhões de hectares cultivados com algodão em todo o mundo, 21% foram plantados com sementes geneticamente modificadas. Como o algodão transgênico exige menos gastos com agroquímicos e fungicidas, seu custo de produção chega a cair pela metade. “Os chineses e americanos estão começando a levar vantagem com o transgênico. Além disso, eles contam com melhores equipamentos”, diz Carlos Menegati, da Cooperativa dos Cotonicultores de Campo Verde (CooperFibra), entidade que reúne boa parte dos plantadores de algodão da região de Campo Verde e Rondonópolis (município vizinho). Menegati calcula que a defasagem de custo do algodão brasileiro em relação ao produzido na China e EUA deve chegar rapidamente aos 17%.

Polêmica – Outro problema que deve dar mais volume à polêmica dos transgênicos é a possibilidade de o algodão seguir o mesmo caminho nebuloso da soja. Hoje, boa parte da soja brasileira é produzida a partir de sementes transgênicas, mas sem nenhuma regulamentação ou controle oficial. Os embargos de carregamentos nos portos aqui e lá fora que aconteceram recentemente com a soja poderão se repetir em breve com o algodão. A demora na aprovação pelo Congresso da Lei da Biossegurança – que trata, entre outras coisas, da questão dos transgênicos – tem causado desânimo entre os produtores que ainda não sabem como será o plantio da próxima safra. Para piorar, o governo descobriu que produtores em Mato Grosso estão colhendo algodão geneticamente modificado. Os fazendeiros se defendem alegando que esse algodão encontrado é fruto do descuido na compra, por multinacionais, de sementes contaminadas. Por enquanto, dizem, a saída para acalmar o setor é a edição de uma medida provisória (MP) autorizando o plantio de transgênico na próxima safra. “Não queremos seguir os mesmos passos da soja e ficar à margem da lei”, diz Menegati.

Polêmicas à parte, a verdade é que em menos de quatro anos a produção de algodão deu um salto. Saiu das 536 mil toneladas na safra de 1999/2000 para as atuais 1.255 mil toneladas. As razões desse boom vão desde os atrativos preços internacionais, passando pela redução dos custos de produção até a mudança da região do plantio. Hoje, 65% da atual safra brasileira está sendo colhida na região Centro-Oeste – só Mato Grosso é responsável por 574 mil toneladas. As terras planas do cerrado brasileiro e o clima propício (na época da colheita – maio a setembro – há uma interrupção quase total das chuvas) levaram a uma profissionalização da lavoura com investimentos pesados em maquinário e novas tecnologias. Tanto que na última Agrishow realizada em Mato Grosso foram vendidos R$ 1,4 bilhão em máquinas e equipamentos. Isso também afastou o pequeno produtor, que ainda colhia o algodão no dedo. O melhoramento genético feito pela Embrapa em parceria com o Grupo Itamarati também ajudou os produtores a chegar a uma variedade ideal

(a CNPA-ITA 90) para ser cultivado no cerrado. Cerca de 80% dos produtores da região utilizam essa variedade, mais resistente às doenças e pragas e de excelente qualidade. Com todos esses atrativos e inovações, a cultura do algodão ganhou em produtividade: em 1996, eram colhidos 613 quilos por hectare; este ano, serão 1,4 mil quilos no mesmo hectare. “Nossa média é 33% acima da média dos outros Estados”, diz Cloves Vettorato, secretário de Negócios Estratégicos de Mato Grosso.

Com todo esse histórico e com apenas 15 anos desde a sua emancipação,
Campo Verde transformou-se no exemplo mais bem acabado de prosperidade do agronegócio. A maioria de seus 20 mil habitantes (15 mil na cidade e cinco mil na área rural) vive uma vida confortável e não reclama de falta de emprego. Um terço deles tiram o sustento das lavouras de algodão, trabalhando como operadores de máquinas ou em serviços gerais. O trabalho mais pesado, especialmente a capina, vem de fora (geralmente da Paraíba ou do Ceará). Uma outra parte trabalha com soja, milho e criação de frango. Geromim Antônio Guolo, um catarinense de Coronel Freitas, foi um dos primeiros moradores do então povoado, que pertencia à vizinha Rondonópolis. Ele chegou em 1973, depois de ter adquirido, junto com o primo, perto de dez mil hectares de terras. Cinco anos depois, plantou a primeira lavoura de arroz, mas foi a soja que “salvou a pátria”. “A soja foi o começo da redenção econômica de Campo Verde. O algodão consolidou nossa economia e melhorou nossas vidas”, conta Guolo, que, hoje, além de plantar soja e algodão, é dono de uma das maiores lojas de roupas e sapatos da cidade.

A opção pelo trabalho nas lavouras de soja e algodão em Mato Grosso também
foi fundamental na vida de Lourival Gomes Soares, conhecido como “seu Ney”. Mineiro de nascimento, chegou a Campo Verde em 1983 para trabalhar como gerente da Fazenda Lagoa Funda, uma das maiores produtoras de soja
da região. Pai de três filhos, ele trocou a soja pelo algodão em 1995, passando a ganhar duas vezes mais. “Foi a melhor coisa que fiz”, diz. Atualmente, é gerente operacional na Fazenda Samambaia, já tem casa própria, carro novo, filhos
formados e uma situação financeira confortável. Assim como “seu Ney”, Campo Verde está repleto de personagens que largaram tudo em outros Estados para arriscar a vida nas lavouras de algodão e soja no cerrado mato-grossense. O desafio agora tanto dos campo-verdenses como dos produtores de algodão será vencer a ameaça dos transgênicos, manter a competitividade internacionalmente e segurar os custos. Haja algodão.