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Uma cela de 2,5 m de largura por 4 m de comprimento, com cama de alvenaria e duas portas de segurança (uma delas com grade) é o cômodo que tem servido de moradia a Bruno, ex-goleiro do Flamengo, por boa parte dos últimos 90 dias. Acusado de sequestro, homicídio e ocultação do cadáver de Eliza Samudio, sua amante, o ex-atleta – antes residente em uma espaçosa mansão no bairro do Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro – vive no exíguo espaço da Penitenciária Nelson Hungria, na cidade mineira de Contagem. Ele está no Centro de Observação Criminalística (COC), um pavilhão recoberto externamente por tijolos aparentes que abriga 24 celas individuais, unidas por um corredor com paredes pintadas em cinza e branco. Lá, ficam os presos que ainda não foram julgados. Trancado numa fortaleza cercada de muros com quatro quilômetros de extensão, carcereiros mal encarados e vigiado 24 horas por câmeras de segurança, o ex-capitão do Flamengo amarga a rotina vazia da cadeia. Sua mais frequente distração vem de um pequeno rádio e de uma tevê de 14 polegadas. Ele assisti de tudo, menos ao noticiário. Na cela, o chuveiro é um cano preso à parede de onde só jorra água fria. Também não tem vaso sanitário. Quando quer ir ao banheiro, Bruno tem que se agachar sobre um buraco conhecido como “boi”.

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MORADA
A penitenciária em Contagem:
visita da filha uma única vez

 

Bruno passa a maior parte do dia sozinho. Recentemente, pediu para ser transferido para a mesma cela de Luiz Henrique Romão, o Macarrão, também acusado pelo desaparecimento de Eliza, mas o pedido foi negado, já que os espaços no COC são individuais. Seu figurino constante são sandálias de borracha e o uniforme vermelho da Subsecretaria de Administração Penitenciária. Quando se desloca fora do COC, fica sempre algemado. Ali, tem a “regalia” de ser chamado pelo nome, ao contrário dos outros setores do presídio, onde os presos são identificados apenas pelo seu número de entrada no sistema. Como seus colegas de pavilhão, acorda às 7h e tem direito a quatro refeições por dia: café da manhã, almoço, lanche e jantar. O cardápio do almoço e do jantar é sempre o mesmo: arroz, feijão, salada, carne, uma guarnição e sobremesa (gelatina, tablete de doce ou fruta). A refeição vem numa quentinha. Como o garfo de plástico é pequeno, Bruno já aprendeu a usar a tampa da marmitex como talher. Visitas só nos fins de semana, mesmo assim de pessoas previamente cadastradas. No caso de Bruno, a avó Estela de Souza, 78 anos, dois tios e uma tia. Ele recebeu uma das filhas uma única vez.

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MÉDICO
Na semana passada, Bruno teria tido uma convulsão,
mas no hospital o diagnóstico foi de leve sinusite

 

Dos 20 livros enviados pelo pastor Jorge Linhares, da Igreja Batista Getsemani, Bruno lê apenas a “Bíblia”. Também gasta uma parte do tempo ocioso lendo as cartas que recebe dos fãs. No primeiro mês foram 150 correspondências. Enquanto esteve no Rio, em agosto, para participar de audiência sobre o sequestro de Eliza, chegaram mais 40, que foram devolvidas pela administração do presídio, porque o destinatário não se encontrava. Duas horas por dia, de segunda a sexta-feira, Bruno sai da cela para o banho de sol, sozinho, no pátio. “Tentaram dobrar o homem e conseguiram”, afirma o advogado de Bruno, Ércio Quaresma. Essa imagem de homem deprimido é contestada pelas autoridades mineiras. “Em Minas Gerais, ele nunca tentou o suicídio”, afirmou, em nota, a Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas (Seds). Quase o mesmo refrão de uma nota da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio (Seap): “Em nenhum momento o Bruno tentou se matar em nossa unidade.” O assistente de acusação José Arteiro Cavalcante é outro que não acredita nos desmaios de Bruno. “Isso é jogo de cena. Ele está vendo que a coisa está ficando feia e quer comover a opinião pública”, garante.

 

Quando chegou à penitenciária, o ex-atleta ainda conseguia brincar. “O time de Ribeirão das Neves está desfalcado, mas vou montar outro time aqui na prisão”, comentou, referindo-se ao “100%”, equipe que mantinha em sua cidade natal. Os presos do COC, porém, não jogam pelada, ao contrário dos que foram julgados e condenados. Com o tempo, as brincadeiras foram rareando. Até um mês atrás, seu assunto mais frequente eram os pedidos de habeas corpus impetrados por seu advogado, Ércio Quaresma. “Vou sair daqui em pouco tempo, vocês vão ver”, repetia a Macarrão e a outros cinco amigos, também acusados de participar do crime. Depois que todas as tentativas deram em nada, Bruno passou a aparentar tristeza maior.

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AMIGO
Bruno quis ser transferido para a cela de Macarrão,
mas o pedido foi negado

 

Na semana passada, ele saiu quatro vezes para acompanhar o depoimento de testemunhas de acusação. Por três vezes passou mal (numa delas teria tido uma convulsão) e foi levado para o Pronto-Socorro João XXIII, onde foi diagnosticada uma simples sinusite. Há quem aposte em jogo de cena, mas alguns agentes penitenciários, sua mais frequente companhia, acreditam numa crise depressiva: “Agora caiu a ficha do que realmente aconteceu na vida dele”, diz um agente que não quis se identificar. A rotina imensamente diferente do roteiro de festas e adulações que ele cumpria antes colaboram bastante para esse choque de realidade. Bastaram três meses para que o semblante irônico de antes desse lugar a uma expressão de desânimo. Tanto que dois funcionários foram destacados para vigiá-lo constantemente – e um dos motivos é evitar que Bruno cometa suicídio.

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SILÊNCIO
Ele fica calado nas audiências
sobre o caso Eliza Samudio

 

Como não tem se exercitado, o corpo atlético construído nos treinamentos pesados dos tempos de Flamengo deram lugar a olheiras e braços flácidos. Mas nada disso impressiona os parentes de Eliza. “Se ele está com problema de consciência, deveria ajudar a polícia a encontrar o corpo da minha filha”, diz Luiz Carlos Samudio, pai da moça. “Acho que isso aliviaria a situação dele.” A mãe de Eliza também já pediu publicamente para que o ex-atleta finalmente confessasse o que aconteceu com sua filha. Nenhum desses apelos fez efeito. Bruno comparece às audiências, mas permanece calado, não dá nenhuma pista sobre o caso. E assim, em silêncio, retorna para a pequena cela da Penitenciária Nelson Hungria. Quando volta dessas audiências, ele só é ouvido quando pede uma fruta ou um chocolate para um colega do COC. Logo depois que o pedido é atendido – os presos passam alimentos e objetos uns para os outros por meio de um barbante –, sua voz se apaga por horas a fio. Um silêncio torturante, principalmente para os amigos e familiares de Eliza.

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