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O artista britânico David Batchelor tem sua primeira retrospectiva no Brasil

Cor, luz e materiais inesperados são a tônica das esculturas do britânico David Batchelor. Além de escultor, o artista também é o autor do livro “Cromofobia”, lançado há dez anos na Inglaterra e também publicado no Brasil, onde faz um levantamento histórico sobre a influência da cor nos mais variados processos artísticos. A cromofobia é o medo de ser corrompido ou contaminado pelas cores e desde a Grécia Antiga é tema na produção cultural e intelectual no mundo ocidental. Atualmente, Batchelor realiza sua primeira retrospectiva em território brasileiro. A mostra “Chromophilia”, em exibição no Paço Imperial do Rio Janeiro, reúne trabalhos produzidos ao longo de 15 anos da carreira de Batchelor, apresentando obras que são o resultado de sua pesquisa com as cores no ambiente urbano. A exposição é, segundo artista, uma boa oportunidade de se conhecer as variações de sua criação com diferentes materiais e também suas diferentes propostas de uso da cor. Em entrevista, David Batchelor fala sobre a carreira, sua pesquisa e como o uso da cor nas artes mudou nesses últimos anos:

A cor sempre esteve presente em seu trabalho. Você realizou um estudo sobre isso em seu livro “Cromofobia”, publicado no Brasil e que é uma pesquisa histórica sobre o uso da cor em vários processos artísticos. Você acha que atualmente temos menos medo de usar as cores? Como você vê a questão da cor na arte hoje em dia?
Eu não sei como as coisas vão ser daqui pra frente, uma das grandes questões do campo arte é a sua imprevisibilidade. Eu mesmo nem sei o que estarei fazendo daqui a seis meses. Comecei trabalhando com a cor em meu estúdio no início dos anos 1990, em um tempo em que, pelo menos na Inglaterra, poucas pessoas pareciam estar usando a cor com intensidade. Meu uso das cores não foi intencional no início, mas uma vez que comecei a usá-las com ênfase percebi que era um material estranho e complexo, tanto na prática quanto na teoria.  Eu comecei a expor meus trabalhos com cor em 1995, e “Cromofobia” foi publicado na Inglaterra em 2000. As coisas mudaram muito desde os anos 1990 no campo das artes, e desde então, houve um aumento de trabalhos em escultura, pintura e fotografia que fazem o uso da cor como matéria-prima. Mas eu penso que a resistência à cor que descrevi em meu estudo ainda existe juntamente com a curiosidade e o amor por ela. Acredito que essa atração e medo simultâneos estejam introjetados na imaginação do ocidente. Mas as pessoas estão mudando, inclusive eu. Elas estão muito mais informadas sobre a arte e as diferentes culturas do mundo, e isso gera mais diversidade e diferenciação na produção artística, bem como tolerância às novas formas de expressão. Para mim, aprender sobre a América Latina, em particular o Brasil, a Venezuela e o Uruguai, foi de extrema importância.

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Escultura "Chrome": a cor e a luz são temas investigados pelo artista

Em seu trabalho, também há uma relação intrínseca entre cor, luz e forma. Como você avalia o desenvolvimento desses três componentes em sua produção desde o início?
O verdadeiro foco do meu trabalho não é a cor em si, mas a cor como uma experiência no ambiente urbano. Estou interessado nas cores industriais, cores artificiais, cores produzidas por processos químicos e elétricos. A cor luminosa é um dos grandes emblemas das cidades, com seus letreiros e neons. Não estou ligado na natureza. Ao longo dos anos eu tenho tentado olhar os diferentes tipos de cores na cidade e os diferentes lugares onde estão localizadas. Porém, sempre existem as lacunas e os silêncios. Uma das vantagens de se apresentar uma retrospectiva, como o que estou fazendo no Paço Imperial e que cobre 15 anos de minha produção, é a de que você tem a oportunidade de ver as lacunas de seu próprio trabalho, bem como as repetições e os padrões. Percebo que me direcionei ao uso de materiais cotidianos e baratos, como garrafas pet, fiações elétricas, brinquedos e objetos descartáveis sem valor. Eu nunca planejei isso, mas essa foi uma direção tomada. As formas no meu trabalho tendem a ser muito simples e diretas. Uma coisa que vejo que mudou foi o fato de eu ter abandonado o uso da forma retangular. Eu não conseguia me esquivar disso, e talvez esse fosse o gesto do velho pintor que tenho dentro de mim. Pode não parecer muito, mas eu penso que meu trabalho agora é mais relaxado e variado. Pelo menos, eu acho.
 

Fale-nos um pouco de sua exposição no Paço Imperial em exibição no Rio de Janeiro. Ela aborda um tema oposto ao tema da aversão às cores, com seu título “Chromophilia”. De que maneira essa “amizade com as cores” acontece nesses trabalhos?
Essa retrospectiva apresenta 15 anos de trabalho baseado no uso das cores. Mas é a primeira vez que mostro esses trabalhos com toda essa profundidade. Estão expostos trabalhos tridimensionais, alguns que usam a luz e outros não, trabalhos fotográficos, mais de 250 slides tirados ao longo de 13 anos, e cerca de 100 trabalhos em papel feitos durante todo esse tempo.  Essa exposição está sendo realizada exatamente 10 anos após a publicação de ”Cromofobia”.  Então achei que faria sentido rever essa produção desse período. O livro “Cromofobia” descreve o medo da cor no ocidente, mas sob o ponto de vista de alguém tentando defender o poder e o mistério das cores. Essa é a raiz do meu trabalho: uma paixão por esse fenômeno que nos cerca, mas que pouco entendemos ou colocamos em palavras.