Um debate de cinco horas na quarta-feira 6 encerrou uma novela de oito meses. Por 53 votos a favor e dois contra, o Senado aprovou a Lei de Biossegurança, que tira da ilegalidade as sementes transgênicas de soja e abre as portas da pesquisa com células-tronco de embriões humanos. Nada disso, porém, evita que o Palácio do Planalto edite Medida Provisória (MP) para adaptar a lei da humanidade às leis da natureza. Os dois votos contrá- rios ao projeto foram dos senadores Heloísa Helena (Psol-AL) e Flávio Arns (PT-PR). No Rio Grande do Sul, que produz um quinto da soja brasileira e onde 90% das sementes são transgênicas, o plantio da safra 2004/2005 começa na sexta-feira 15. Em outras regiões do País, dependendo das chuvas, esse prazo vai até dezembro. ?Com a aprovação, o governo tem amparo institucional para editar uma MP (para liberar a soja transgênica)?, diz o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). O voto dos senadores não resolve a pendenga. A lei aprovada modificou o texto original da Câmara dos Deputados, para onde ela volta agora, condenada a uma fila de 18 MPs que trancam a pauta da casa. Há razões de poder e de fé para embaralhar a polêmica. Os deputados originalmente previam mais poderes para o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), um colegiado político que dava a palavra final para os Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, mais suscetíveis aos argumentos contrários aos alimentos geneticamente modificados. O substitutivo do senador Ney Suassuna (PMDB-PB) repassou esses poderes à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Suas decisões podem ser contestadas pelos 11 ministros do colegiado político, que têm 45 dias para se manifestar. As diferenças de fé explodiram na liberação de uso de embriões congelados para a obtenção de células-tronco, a partir das quais se pode recompor tecidos danificados e tratar doenças degenerativas, como câncer, paralisia ou mal de Parkinson. Depois de usadas em laboratório, as células de embriões são destruídas, o que a Igreja condena. A lei proibiu a clonagem humana e permitiu o uso dos embriões estocados há pelo menos três anos ? há cerca de 20 mil embriões em clínicas de fertilização. No mesmo dia da aprovação no Senado, o governo liberou R$ 13 milhões para uma pesquisa com células-tronco destinada a buscar alternativas aos transplantes de coração. Durante três anos, 1.200 pacientes vão participar de estudos com células retiradas de sua medula óssea, o que garante menor rejeição. ?A terapia celular é mais barata do que o transplante?, diz Antônio Carlos de Carvalho, do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras (INCL), do Rio de Janeiro. Se a pesquisa se mostrar eficaz, várias doenças cardíacas poderão ser tratadas pelo SUS, democratizando o tratamento que hoje é privilégio de quem tem saúde financeira.