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Há um preconceito enraizado contra a livre expressão das emoções na cultura ocidental. Quem demonstra angústia, raiva, alegria excessiva ou medo, tanto no trabalho como na vida pessoal, é considerado passional, irracional, frágil e despreparado para enfrentar a realidade da vida. É aquele que não aprendeu a domar os seus sentimentos e a desenvolver aquilo que nos diferencia dos animais: a racionalidade. Hoje, fala-se muito em inteligência emocional, mas nem todos entendem o seu real significado. Não se trata de adestrar o comportamento e suprimir os impulsos para atingir objetivos, mas identificar (e aceitar) a manifestação das emoções mais primárias, inclusive as desconfortáveis.

Pesquisas recentes comprovam a importância do reconhecimento e da expressão das emoções – até as negativas. Levantamento da Harvard Medical School, dos Estados Unidos, concluiu que quem reprime frustrações tem três vezes mais chances de se tornar vulnerável no trabalho. "As pessoas consideram a raiva como uma emoção terrivelmente perigosa e encorajam a prática do pensamento positivo", explica o autor da pesquisa, George Vaillant, que entrevistou 824 profissionais e acaba de divulgar o estudo.

"Mas a raiva pode ajudar as pessoas a se tornarem mais assertivas e com uma facilidade maior para se posicionarem", diz Vaillant, os profissionais que falam o que pensam conquistam o respeito dos seus pares e têm mais chances de receber uma promoção.

VANTAGENS Pessoas que mostram aquilo que sentem são mais saudáveis, criativas, equilibradas e têm maior capacidade de liderança

Um estudo realizado nos Estados Unidos pela Columbia Business School, pela California University e pela Duke University defende que as emoções podem ser mais confiáveis do que a razão em momentos de decisão. Publicada no mês passado, a pesquisa O papel das emoções nas escolhas sustenta que os sentimentos são um conjunto de programas que nos ajudam a resolver problemas recorrentes, como por quem vamos nos apaixonar ou se devemos escapar de um predador.

"As opções emocionais têm mais consistência do que as fundamentadas nos processos cognitivos", afirma o coordenador do estudo, On Amir, da California University. "Se uma pessoa compra uma casa com base em atributos racionais, como valor de revenda, provavelmente não ficará satisfeita em morar nela. O coração é mais confiável do que a razão pura na garantia da felicidade a longo prazo", diz.

Em outubro do ano passado, um trabalho da Columbia University comprovou que quem negocia com emoção ganha mais dinheiro. Os pesquisadores Andrew Stephan e Michel Tuan Pham dividiram duas equipes em laboratório. Uma deveria negociar com a razão, e a outra, com os sentimentos. "O segundo grupo demonstrou mais prazer em executar a atividade, vendeu de forma mais simples, a preços mais baixos, mas em maior quantidade. Os racionais venderam menos e mais caro", afirma Pham.

BLOQUEIOS Adriana Sabbag recuperou a afetividade depois de enfrentar conflitos pessoais, que esfriaram sua relação com a família

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A apologia à racionalidade ignora o poder dos sentimentos. São eles que levam o indivíduo à ação, permitem sonhar, possibilitam o afeto, a generosidade e conduzem o mundo às grandes mudanças ideológicas. "Toda emoção deve ser vivida até o fim, sem supressão ou substituição", defende o psiquiatra José Maria Martins, Ph.D. em psicologia clínica e autor do livro A lógica das emoções. Até à saúde elas fazem bem. Estudo do ano passado do departamento de psiquiatria da Wisconsin University, nos Estados Unidos, comprovou que os tímidos são mais suscetíveis ao stress. A dificuldade em colocar para fora os sentimentos os torna mais ansiosos, mesmo em situações simples e seguras.

Há uma certa unanimidade sobre os benefícios da expressão de emoções positivas, como felicidade, amor, alegria, prazer, entusiasmo. Mas, quando se fala em raiva, ódio, angústia, mágoa, ressentimento, há um consenso implícito de que elas devem ser escondidas, evitadas. As pesquisas estão derrubando esta crença e os psicólogos afirmam que as emoções negativas têm o seu valor (leia quadro à dir.). "Quando a pessoa não reconhece um sentimento ruim em si mesma, por medo da crítica ou por perfeccionismo, ela explode lá na frente em ações negativas", afirma a psicóloga Madalena Cabral Rehder.

O local de trabalho costuma ser visto como o ambiente menos propício para manifestar sentimentos. "A estratégia das organizações de fixar metas e objetivos para os funcionários criou uma disciplina de comportamento que condena a expressão das emoções individuais", avalia Antônio Valverde, professor de filosofia da PUC-SP. "Por isso, há tanta monotonia, pouca solidariedade e escassa criatividade nas empresas."

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Mesmo com a lógica da racionalidade, não faltam exemplos de quem alcançou o sucesso profissional vivenciando as emoções. A publicitária Valéria Ordonhez, 42 anos, tornou-se diretora de atendimento da agência de propaganda Young & Rubicam sem abrir mão da sua personalidade. "A sinceridade é o melhor caminho para se estabelecer relações pessoais e profissionais duradouras", aposta. Aos 22 anos, foi contratada como assistente no setor de pesquisa da agência. Com carisma, competência e sem deixar de dizer o que pensa, Valéria foi promovida ao atendimento, gerenciando grandes clientes como LG, Colgate-Palmolive e Goodyear. A estratégia foi adquirir a confiança da equipe, criando um vínculo afetivo com as pessoas no trabalho e amizade com alguns anunciantes.

IRREVERÊNCIA Sem medo de dizer o que pensa e com muito bom humor, Valéria Ordonhez construiu uma sólida carreira em publicidade

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"Toda profissão lida com relações entre pessoas. A melhor forma de nos comunicarmos com elas é identificando o que as emociona e mostrando o que nos emociona", diz a publicitária – ela já chegou a dançar e cantar para vender uma campanha a um grande anunciante. Para Valéria, cargos de chefia exigem profissionais decididos, que saibam defender as suas ideias e deixem a emoção fluir. "Tem de se impor e dizer o que pensa.

Os muito racionais perdem grandes oportunidades. É a emoção que nos ajuda a enxergar os caminhos alternativos aos problemas", acredita. Não é como age boa parte das profissionais. Uma pesquisa realizada com 1.503 latino-americanas entre 18 e 35 anos, encomendada pela Rexona e recém-divulgada, revela que 65% procuram deixar de lado as emoções no trabalho. As brasileiras são as mais racionais: 83% agem desta forma.

Nas grandes empresas, a emoção é um ativo valorizado hoje em dia, um dos pontos altos dos questionários de avaliação. "Não há mais o interesse pelo funcionário robótico, em quem ninguém confia por não saber o que ele pensa", afirma o consultor de recursos humanos Luiz Wever. "A pessoa tem de assumir aquilo que é e as suas ideias, e aqueles que almejam cargos de gestão, precisam aprender a dar valor às pessoas ao seu redor."

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Pesquisa da Universidade de Economia de Washington, nos Estados Unidos, confirma a tendência e mostra que os emocionalmente ambivalentes são mais inovadores. Após entrevista com 140 estudantes, o estudo indicou que quem tem emoções positivas e negativas ao mesmo tempo é mais criativo do que quem se sente apenas feliz ou triste ou não sente nada. "Isso ocorre porque as pessoas ambivalentes desenvolvem habilidades criativas para lidar com o ambiente", diz Christina Fong, autora do estudo. A sensibilidade para reconhecer associações pouco usuais, dificilmente detectadas pelos muito felizes ou tristes, é o que favorece a criatividade no trabalho.

A supressão das emoções pode ser uma tarefa árdua para quem lida com profissões que exigem racionalidade extrema. O médico Bernardo Entschev, 39 anos, especializouse em neurocirurgia craniofacial, área de técnica muito apurada e total pragmatismo. "A sensibilidade não é treinada no curso de medicina. Na execução das cirurgias, o profissional deve deixar as suas emoções de lado para não interferir no procedimento", conta. Aos 30 anos, resolveu mudar de profissão.

"Queria exercer uma atividade que me permitisse maior contato com as pessoas, estar mais próximo ao comportamento hu mano", diz ele. Foi quando decidiu ingressar na área de consultoria em recursos humanos. A nova profissão trouxe para fora as emoções contidas. "Aprendi a dar valor ao ‘obrigado’, ‘bom-dia’, ‘como você está’. Mostrar às pessoas que me importo com elas, dar o mínimo de atenção", diz ele. "Isto não é comum entre os médicos, que vivem isolados."

REVIRAVOLTA Para ter um contato mais próximo com as pessoas, o neurocirurgião Bernardo Entschev trocou a medicina pela área de recursos humanos

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Se os sentimentos são importantes até no trabalho, no ambiente familiar são cruciais. "Pais que não falam sobre as suas emoções em casa contribuem para que seus filhos tenham bloqueios emocionais durante toda a vida", afirma Ângela Elizete Herrera, terapeuta de família e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Estudo da Família, da PUC-SP. A administradora Janaina Bauer Lemos, 35 anos, é um exemplo. Como mãe, reproduziu com os filhos o modelo de frieza da infância. "Não consigo abraçar e beijar os meus filhos ou falar de sentimentos com eles. Não posso dar aquilo que nunca tive", revela.

Janaina não é a única. Há três anos, a advogada Adriana Sabbag, 39 anos, enfrentou as angústias do bloqueio afetivo quando nasceu o seu primeiro filho. Teve depressão pós-parto e até hoje passa por dificuldades para restaurar a emotividade com a família. "Não consigo estar inteira com eles. Tenho pouco tempo para o meu filho e muito trabalho", diz ela, que atribui parte do problema às dificuldades vividas durante a gestação, quando o marido foi transferido para outra cidade. Sem apoio da família, teve de se dirigir sozinha para a maternidade no dia do parto. E não consegue perder os 15 quilos adquiridos com a gravidez. "Admito que às vezes me falta paciência e descarrego as minhas angústias no meu filho e no meu marido", diz.

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No passado, os homens eram criados para não demonstrar sentimentos, nem mesmo com os filhos. Hoje, pais afetivos são valorizados na nossa sociedade. Na família Tavolaro é o pai que chora, beija, abraça e se emociona com a prole. "A gente vive grudado, conheço todos os amigos deles. Saímos juntos para tomar cerveja e conversar", conta o empresário Humberto Tavolaro, 51 anos. Divorciado há 16 anos, nunca abriu mão da convivência com eles. "Quando eram crianças, me visitavam todas as quartas-feiras e nos fins de semana.

Dormíamos todos juntos numa cama de casal. Eu no meio, um filho do lado esquerdo, o outro do direito e a menina no meu peito. Era o máximo", conta Humberto, presença certa em campeonatos de futebol e apresentações de balé. Durante sessões de terapia familiar, Humberto teve um exercício desafiador no papel de filho. Escrever uma carta ao seu pai e expressar todas as emoções guardadas ao longo dos anos. "Achei que seria superfácil, mas, na hora, vi quanto é difícil falar para as pessoas que amamos quando supomos que elas já sabem disso."

Escrever tem suas vantagens. Estudo da California University, de 2007, revela que colocar sentimentos em palavras produz efeito terapêutico no cérebro, pois parte da emoção já é liberada no papel. "Quando se escreve a palavra raiva, há uma diminuição da resposta da sensação na amídala", diz Matthew Liberman, autor da pesquisa. "O que torna a emoção algo negativo é justamente a supressão da sua primeira manifestação", afirma o psiquiatra José Maria Martins.

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"O acúmulo de feridas deriva em emoções secundárias, que desencadeiam ações negativas." Segundo ele, a raiva não expressada transforma-se em ressentimento ou, se acompanhada de culpa, pode levar a uma depressão. O medo negado torna-se ansiedade crônica, a tristeza vira apatia e a afeição não manifestada deteriora-se em sentimentalismo. Por isso, negar as emoções é negar a essência do que nós somos: humanos.

AMOR DE PAI Quando se trata dos filhos, Humberto Tavolaro não economiza afeto. Beija, abraça, chora, declara seu amor e acompanha cada passo da prole

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