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DO OUTRO LADO
Para 2010, a previsão é de crescimento de até 6%, acima da média mundial

Foi um longo caminho até o Brasil alcançar a condição de candidato a potência econômica mundial. Esta passagem para a segunda década do século XXI é uma boa oportunidade para um balanço da história recente da economia do País e, certamente, leva à conclusão de que o bom senso prevaleceu no embate entre aqueles favoráveis ao liberalismo e seus críticos mais ferrenhos. A análise pode ser frutífera para os desafios de um país que, segundo o Banco Mundial, será a quinta maior economia do planeta em 2014. No tempo em que o Brasil era piada em toda a crise econômica internacional por, como diziam, pegar um resfriado ao primeiro espirro ouvido em qualquer parte do mundo, o País sofria com a polaridade das divergências teóricas.

De um lado, os economistas ortodoxos culpavam o gigantismo do Estado, o excesso de regulação, a alta carga tributária, o modelo de Getúlio Vargas (1882-1954) e a Constituição de 1988 pela crônica instabilidade financeira. Na outra ponta, os heterodoxos exigiam participação do Estado, incentivo à agricultura familiar e um programa de transferência direta de renda para reduzir as desigualdades sociais. Neste fim de 2009, uma olhada para trás mostra que os dois lados tinham parte da razão. Mas o País chegou aonde chegou sem que nenhuma das duas teorias possa se dizer totalmente vitoriosa.

O Brasil que causa inveja ao mundo está longe de ser um país onde todas as ideias liberalizantes – sobretudo em relação ao mercado financeiro – prosperaram e também está distante de ver o arcabouço da Era Vargas totalmente desmoronado. Será este o segredo do sucesso econômico? Em 2010, as perspectivas apontam para um crescimento de até 6% – muito acima da média mundial. Se mantiver esse ritmo de crescimento até a metade da década, o Brasil estará à frente de Grã-Bretanha e França no ranking das maiores economias do planeta. “Nós vamos ultrapassá-los”, garantiu à ISTOÉ o ministro da Fazenda, Guido Mantega. “A hipótese é de que o Brasil tenha uma média de crescimento de 5%, 6% nos próximos dez anos.”

A estabilidade promovida pelo Plano Real a partir de 1994 permitiu ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, cerca de uma década depois, manter o receituário de equilíbrio fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante paralelamente ao avanço de políticas sociais – sempre acusadas de inflacionárias – que forjaram um mercado interno que se mostrou vigoroso na crise mundial. No terceiro trimestre de 2009, o consumo de bens não duráveis, segundo pesquisa da LatinPanel, cresceu quase 10% em relação ao mesmo período de 2008 – resultado puxado pelas classes D e E.

Em busca deste novo consumidor, surgem multinacionais que esperam se ancorar no mercado interno para alcançar o mundo, como Brasil Foods, AmBev, Natura, Vale e Gerdau. No varejo, o exemplo mais recente é a união do Pão de Açúcar com a Casas Bahia, formando um dos maiores grupos de comércio do mundo. “O Brasil está crescendo e se desenvolvendo. O sistema de habitação cresce cada vez mais, a construção civil igualmente. Há cada vez mais casas e alguém terá que colocar utensílios dentro delas”, justificou o empresário Abilio Diniz, do Pão de Açúcar. Em 2009, o País deve captar em investimento estrangeiro direto cerca de US$ 25 bilhões e, em 2010, a previsão é de chegar a US$ 35 bilhões. Um excelente resultado para anos de crise.

Como o Brasil conseguiu isso, mesmo com uma carga tributária de 37,5% do PIB? Como está obtendo este sucesso, mesmo com o déficit de cerca de R$ 50 bilhões em seu sistema de previdência social? Com uma taxa de investimento de apenas 17% do PIB? Com um programa como o Bolsa Família atacado por sua ampla abrangência? Ou, sobretudo, com as taxas de juros mais altas do mundo? Por mais desarrumada que pareça a economia brasileira, ela está dando certo. Talvez os olhos dos economistas sempre fizeram questão de enxergar mais seus defeitos do que suas qualidades.

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EM ALTA
Pré-sal, megaempresas como a de Diniz e Michael Klein e inserção no comércio: pujança

Em setembro, o jornalista e economista alemão Alexander Bush publicou o livro “Wirtschaftsmacht Brasilien – Der Grüne Riese Erwacht” (Potência Econômica Brasil: O Gigante Verde Acordado), mostrando aos alemães que “nunca um país foi tão subestimado” e dedicando um capítulo inteiro sobre as oportunidades para a Alemanha aproveitar melhor o eixo Berlim-Brasília.

“Por outro lado há um grande desafio, que todos sabemos: o Brasil precisa manter as políticas sociais para reduzir a pobreza. Os países avançados são ricos, mas também são menos desiguais”, lembra o italiano Tito Cordella, economista do Banco Mundial.

TENDÊNCIA
Em 2025, o Brasil deve ter uma distribuição de renda melhor do que a dos EUA

Tal qual ofereciam receitas radicais para a inflação nos anos 1980 ou para a sobrevivência da estabilidade na última década e meia, os economistas voltam a defender, com paixão, suas teses para o Brasil dar o passo que falta ao crescimento: promover o desenvolvimento, o que implica igualdade social. “Se for pelo tamanho da economia, o Brasil já é de Primeiro Mundo. Só não acho que essa seja uma boa medida. É necessário ter uma renda per capita bem dividida”, afirma o economista Ricardo Amorim, consultor internacional, adiantando o principal debate dos próximos anos. De acordo com previsão do banco americano BofA Merril Lynch, a renda per capita saltará dos atuais US$ 7,9 mil para US$ 10,9 mil em 2011 – um marco histórico.

Por enquanto, os avanços do País para reduzir a desigualdade se deram pelo controle da inflação, no governo FHC, e por aumento real do salário mínimo (atingindo a seguridade social) e programas de transferência direta de renda. Ou seja, com forte protagonismo do Estado. Aqueles que defendem uma ampliação do papel da iniciativa privada na empreitada pela igualdade social reivindicam uma redução na esfera estatal. “O Brasil avançou muito pouco nas reformas estruturais. E o País também precisa reduzir a expansão do gasto corrente”, defende o economista português Alberto Ramos, do grupo Goldman Sachs. “Esse é um problema que passa pela gestão. Mas um país do tamanho do Brasil precisa, necessariamente, ter um gasto público alto”, rebate o economista Antônio Correa de Lacerda, professor da PUC-SP.

No entanto, o mais provável é que, mais uma vez, a economia brasileira a longo prazo surpreenda, sem a necessidade de nenhuma manobra radical. “Se mantivermos a tendência dos últimos 15 anos, em 2025 a distribuição de renda no Brasil será melhor do que nos Estados Unidos, por incrível que pareça. A do Brasil vem melhorando desde 1994, com o Plano Real, e a dos Estados Unidos está piorando por problemas internos”, afirma Amorim. Embora a redução da desigualdade seja fundamental, o economista lembra, no entanto, que o espaço privilegiado do Brasil na geopolítica global está garantido, independentemente do aumento da riqueza da população: “Daqui para a frente teremos países com economias importantes, mas cujas populações não serão ricas. Em 20 anos, o Brasil continuará tendo uma renda per capita mais baixa do que a da França. Mas o importante é que hoje ela é um terço da francesa. Em dez anos, será mais do que a metade. E talvez em 30 anos seja maior.” Isso significa dizer que, mesmo que tudo se mantenha como está – apesar de todo o descontentamento entre os economistas de ambos os lados –, o Brasil está na zênite da constelação mundial. E os desafios do desenvolvimento econômico estão, cada vez mais, colocados como questões políticas, de gestão e até mesmo culturais. Ou seja: não é mais a economia, estúpido!

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