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Demorou muito. Mas, finalmente, a acupuntura conquistou o direito de entrar pela porta da frente nos hospitais e universidades mais respeitados do País. Hoje, a técnica milenar chinesa, que usa agulhas para estimular pontos especiais no corpo, faz parte do arsenal da medicina para aliviar dezenas de problemas, da dor e da náusea do câncer até a asma e os estragos causados pelo derrame cerebral. Além disso, ela é objeto de muito estudo em instituições do porte do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, responsável pela elaboração de políticas de saúde para o país mais poderoso do mundo e uma referência na área no planeta. Nem sempre foi assim. Historicamente, a ciência torceu o nariz para o método milenar. No Brasil, nem mesmo a sua admissão como especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina, em 1998, serviu para eliminar a resistência. Mas, graças a pesquisas que comprovam sua abrangência e eficácia, somadas aos esforços de médicos, pesquisadores e professores, o reconhecimento verdadeiro chegou.

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O sinal mais evidente da mudança de patamar foi a criação, na semana passada, de um centro de acupuntura em um dos templos brasileiros da medicina formal, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Aprovado pelo rígido conselho diretor da instituição, a unidade vai usar as técnicas para combater dores musculares e ósseas. É o produto mais recente de um processo de estudos e aprimoramentos técnicos iniciado no Brasil e no mundo para mostrar à comunidade científica que o método é realmente eficaz. “Avançamos muito. Hoje, acupuntura é disciplina opcional do curso de medicina e, em 2007, ofereceremos duas vagas na especialidade para residentes”, comemora o médico Wu Tu Hsing, diretor do centro.

O trabalho com as agulhas, surgido na China há cerca de cinco mil anos, consolida-se em outras instituições de ensino importantes. Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), funciona um serviço pioneiro de pronto atendimento com a técnica. “Atendemos cerca de 1,5 mil pessoas por mês. Elas chegam com dor de cabeça, cólicas ou dores musculares e saem aliviadas”, afirma o ortopedista Ysao Yamamura, chefe do setor de Medicina Chinesa da universidade. No Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, por mês são atendidas 400 pessoas, a maioria com dores lombares. Em Porto Alegre, no Hospital das Clínicas, o método também faz sucesso. “Temos relatos até de restauração de nervos comprometidos”, afirma a médica Mirian Martelete, chefe do Serviço da Dor e Medicina Paliativa do centro gaúcho.

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No setor privado, a aprovação não é menor. No Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, um dos mais respeitados do País, a técnica é aplicada, com muito sucesso, para controlar a dor. “O uso foi liberado com base em uma sólida documentação científica”, diz o médico Marcelo Saad, especialista em acupuntura, que tem a agenda lotada até o final do mês para sessões com as agulhas. No Sírio-Libanês, outra referência paulistana de ótimo atendimento, a técnica também é usada para combater dores. O Ministério da Saúde anunciou a ampliação do uso da técnica na rede pública. Atualmente, o tratamento está disponível em 120 locais, entre centros de saúde e hospitais públicos. Um deles é o posto João Barros Barreto, no Rio de Janeiro, que no ano passado atendeu 882 pessoas. Neste ano, o crescimento surpreendeu, com 986 casos apenas no primeiro semestre. Também no Rio de Janeiro, na unidade de cuidados paliativos do Instituto Nacional do Câncer, a acupuntura está presente. “Ela é usada contra dor, náusea, constipação, insônia e depressão”, diz a oncologista Maria Beatriz de Oliveira Ribeiro.

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Essa aceitação está ancorada em centenas de pesquisas realizadas por instituições reconhecidas. O próprio Instituto Nacional de Saúde dos EUA realiza uma série de estudos. Um deles mede os efeitos do método na recuperação de seqüelas de acidente vascular cerebral. No ano passado, o especialista Wu Tu Hsing, do HC/SP, foi convidado para dar palestras sobre o tema. Hsing criou um protocolo de tratamento que une medicamentos, acupuntura e eletroestimulação (uso de corrente elétrica para estimular a transmissão dos sinais nervosos) com o objetivo de melhorar os movimentos de pessoas com seqüelas. “Por enquanto, minhas pesquisas mostraram melhores resultados na recuperação da perna direita”, afirma Wu. Um dos seus pacientes, o aposentado Youssef Esses, 63 anos, melhorou depois de nove sessões. “Tive derrame há três anos. Já voltei a falar e o tratamento está me ajudando a me mover melhor”, diz.

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A indicação para derrame é apenas uma das novidades no que diz respeito às aplicações. Hoje, além das mais tradicionais, como o alívio da dor e inflamação, stress e ansiedade, o método é recomendado para muitos outros problemas. Entre eles, enjôos de gravidez, insuficiência cardíaca, asma e bronquite, depressão leve, redução dos efeitos colaterais da quimioterapia (náusea e vômitos). E há quem esteja lançando mão das agulhas para atenuar rugas, tratar manchas e melhorar o viço da pele, além de combater celulite e estrias. É a acupuntura estética. “Funciona. A aplicação ajuda a tonificar os músculos e a dar elasticidade à pele”, explica a dermatologista Maria Assunta Nakano, da Unifesp. Um dos centros de beleza que usam o método é o Kyron, de São Paulo. Lá, as leves espetadas recuperam o corpo do desgaste causado pelo stress e a ansiedade, produzindo bem-estar.

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No Rio, o fisioterapeuta Fernando Fernandes estende os benefícios ao tratamento da flacidez e rejuvenescimento facial. A carioca Eliane Guarnieri, 49 anos, gostou do resultado. “Meu rosto está mais firme, as rugas mais suaves”, garante ela, que ainda está no início do tratamento. Fernandes também atende pacientes que se recuperam de cirurgia plástica. “A terapia reduz o inchaço e os hematomas do pós-operatório”, assegura. O cirurgião plástico Alcemar Maia Souto indica a seus pacientes. “Graças à técnica, recomendo menos remédios após a cirurgia”, afirma.

E há mais possibilidades de uso sendo investigadas. As pesquisas analisam seus efeitos no tratamento da síndrome do intestino irritável, uma complexa reunião de distúrbios gastrointestinais cujos sinais mais comuns são dor abdominal e cólicas. Outro estudo recente mostra benefícios importantes no tratamento da apnéia do sono, distúrbio caracterizado pela interrupção da respiração quando a pessoa dorme. A pesquisa, feita por especialistas da Unifesp, envolveu dez pacientes diagnosticados com grau moderado da doença. Durante esse período eles fizeram sessões semanais de acupuntura e, ao final do tratamento, seis pacientes não sofriam mais com o problema. Segundo a pesquisadora Anaflávia de Oliveira Freire, uma das hipóteses para o resultado seria a promoção do equilíbrio da serotonina induzido pela acupuntura. “Nesses pacientes, a produção da serotonina é deficiente. Isso promove uma flacidez nos músculos da faringe, o que interfere na respiração durante o sono”, explica.

Além dos avanços, a acupuntura experimenta grande diversificação nas suas formas de aplicação. Hoje não se baseia mais apenas nas agulhas. Recursos modernos como o laser e os eletrodos entraram na lista das maneiras como a técnica pode ser usada. O primeiro é ótima opção para quem detesta picadas e também para bebês e crianças – o método também é utilizado nos pequenos. O segundo potencializa os efeitos das agulhas. Um aparelho do gênero acaba de ser criado no serviço de acupuntura do Hospital das Clínicas da USP. Além de usar tecnologia nacional, é mais potente, fácil de ser transportado e seguro.

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Mas a expansão da acupuntura enfrenta problemas no Brasil. Um deles é que a maioria dos planos de saúde não paga as sessões. Isso limita o uso da técnica em centros pioneiros na sua adoção, como o Hospital do Câncer A.C. Camargo, em São Paulo. “Atualmente, apenas os pacientes do SUS ou os que querem pagar têm o benefício”, explica o médico Wu Tu Chung, criador do serviço. Outra questão é que ainda não há leis específicas para regulamentar a profissão de acupunturista. Isso gera confusão. Hoje, os médicos pedem para si a prerrogativa de aplicar o método. Ao todo, segundo a Associação Médica Brasileira de Acupuntura, cerca de 9,5 mil médicos no País adotam o método, mas apenas 2,5 mil deles têm o título de especialista. Porém, outros profissionais de saúde, como psicólogos, fisioterapeutas e enfermeiros, brigam pelo direito de aplicar o método. “O importante, enquanto essas divergências não são resolvidas, é ter clareza de que a acupuntura é mais um recurso dentro de um arsenal que pode combinar remédios e outras armas. Esse é o caminho do futuro”, conclui o médico pernambucano Dirceu de Lavôr Sales, da Sociedade Médica Brasileira de Acupuntura.