Os apupos endereçados à presidente Dilma Rousseff, durante sessão de abertura dos trabalhos legislativos no Congresso, na última semana, escancararam o óbvio ululante: a presidente não dispõe mais de credibilidade para conclamar a classe política e exortar a população a unir esforços em torno de medidas amargas, como a aprovação da CPMF (imposto sobre movimentações financeiras), para tirar o País da crise. O pedido, por si só, já seria desprovido de espírito público pelo simples fato de levar em seu bojo a tentativa de empurrar para a população uma despesa que não é dela – ou pelo menos não deveria ser. Se hoje o governo encontra-se com as contas combalidas, mergulhado num profundo atoleiro difícil de escapar, tal cenário decorre principalmente de anos e anos de irresponsabilidade fiscal e política, cujo objetivo principal foi manter o PT como inquilino do Palácio do Planalto por mais quatro anos. Por isso a proposta carrega outro vício de origem. Ela é empunhada por uma presidente carente de confiabilidade na sociedade para levá-la adiante e executá-la. Quem assegura que o resgate do imposto será mesmo temporário para compensar a queda de arrecadação, como se propõe? Quem garante que a verba será usada conforme a sua finalidade – no caso, bancar os custos da Previdência Social e da Saúde? Durante o exercício do poder, Dilma foi pródiga em não honrar acordos.

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TUDO COMO ANTES
O discurso de Dilma para os parlamentares, na sessão
inaugural do Congresso em 2016, não agradou

Um episódio é ilustrativo do modo de agir de Dilma quando sua palavra é colocada à prova em meio a negociações políticas. No final do ano passado, em encontro com os chefes dos Executivos estaduais, a presidente os comunicou do aumento de 11,36%, a partir de janeiro deste ano, no piso salarial dos professores com formação de nível médio e atuação em escolas públicas por 40 horas de trabalho semanais. O salário base passaria de R$ 1.917,78 para R$ 2.135,64 – estes sim, diga-se, vencimentos irrisórios, indignos da importância da profissão, não os R$ 120 mil por mês pagos por empreiteiras do Petrolão ao ex-ministro José Dirceu por serviços nada republicanos travestidos de consultorias. Sem deixar de lado a discussão sobre a justiça do aumento, os governadores presentes à reunião expuseram uma realidade incontestável. Argumentaram que num ano em que os Estados estão com pires na mão, devido à condição falimentar de suas economias, o impacto do reajuste nos Orçamentos estaduais seria imenso. “É impagável”, ponderou um deles. A certa altura, Rui Costa, governador da Bahia – do PT, frise-se – sacou uma proposta considerada boa para todas as partes, qual seja: a presidente não recuaria no reajuste, mas ele passaria a vigorar somente a partir de agosto deste ano. Até lá, os Estados se preparariam para a despesa extra. Dilma concordou, segundo relatou à ISTOÉ participantes do encontro, mas impôs uma condição: os governadores deveriam subscrever um documento assumindo a paternidade da proposta. Apesar de encontrar resistência, a carta foi redigida com a assinatura da maioria dos chefes estaduais. Ou seja, o ônus do adiamento do reajuste dos professores ficaria com os governadores, sem representar qualquer prejuízo político para a presidente. “Foi uma armadilha”, disse à ISTOÉ um dos signatários do documento. Em janeiro deste ano, Dilma não só anunciou o aumento para os docentes como tornou pública a carta assinada pelos governadores, como se dissesse: “olha como sou boazinha. Concedi o reajuste, apesar da oposição e pressão deles”. Faturou duas vezes em cima de um acordo que, segundo testemunhas do encontro, ela havia topado em levar adiante. Consumou-se o inverso de Quincas Borba. Aos perdedores, no caso os governadores, a batata (quente) na mão. Em 2008, Dilma ganhou de presente do então líder do governo na Câmara, José Múcio, um bambolê. O brinquedo, que chegou ao Palácio do Planalto num enorme embrulho em papel de loja infantil, representava a falta de jogo de cintura político da presidente. O que os governadores experimentaram é muito pior do que isso.

Ao que consta, não teria sido a primeira vez. Nem a segunda. Recentemente, em desabafo a interlocutores, o vice-presidente Michel Temer reclamou que Dilma era useira e vezeira em boicotar acertos costurados por ele junto a parlamentares da base governista. Ao assumir a função de articulador político, delegada a ele pela própria presidente no início de 2015, Temer comandou o balcão político com as fichas de sempre. No Palácio do Jaburu, adotou um modelo de eficácia mais do que comprovada onde a máxima é: pleito combinado não é caro. Mas o vice não esperava as interferências. Como, em Brasília, não adianta ter caneta sem tinta, Temer se viu esvaziado e abandonou o posto.

Os desacertos políticos compõem apenas mais um traço da personalidade de uma presidente ainda em dívida com a população que a ela confiou o seu voto. Permanecem frescas como o orvalho da manhã na memória de todos as promessas feitas durante a campanha eleitoral, quando Dilma vendeu aos eleitores o País das maravilhas, enquanto o Brasil real quebrava. As mesmas foram convertidas em devaneios – menos por loucura do que por oportunismo eleitoral – quando a realidade se sobrepôs à fantasia, antes mesmo da posse para o segundo mandato. Por que, agora, a presidente seria merecedora da fé daqueles traídos por ela no cruzar da primeira esquina? Na política, como na vida, a quebra de confiança costuma custar caro. E para recuperá-la é preciso mais do que discursos.

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