Na praça Sainte-Catherine, em Bruxelas, e nas ruas nos arredores da Bolsa de Valores, operários montavam, na quarta-feira 25, as barraquinhas de madeira para as vendas da feira de Natal da cidade, batizada de “Prazeres de Inverno”. As obras continuavam, apesar de o governo não ter decidido se o evento, que costuma atrair milhares de belgas e turistas, seria cancelado em razão da ameaça “séria e iminente” de atentado terrorista, conforme o nível de alerta máximo que vigorou até a noite de quinta-feira 26. Bruxelas, chamada de a “capital da Europa” por abrigar instituições como a Comissão Europeia, começava a sair lentamente de um estado de hibernação, após ter se tornado uma cidade fantasma no coração do velho continente. Na semana passada, lojas, bancos, escolas, museus e transportes públicos permaneceram fechados por determinação das autoridades, que recomendaram às pessoas não sair de casa. Apesar da autorização de reabertura, as ruas no centro de Bruxelas estavam quase desertas e os comércios, praticamente vazios. A presença de militares fortemente armados por todos os lados não deixava ninguém esquecer a situação de tensão.

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SUSTO
Policiais belgas vigiam praças e ruas em Bruxelas e uma estação de
trem vazia: pessoas foram aconselhadas a não sair de casa

Na Grand-Place, a praça mais famosa de Bruxelas, tombada pelo patrimônio mundial da Unesco, havia apenas dois pequenos grupos de turistas, de língua espanhola. A guia Miriam, da agência Niceday Tours, tentava encontrar clientes para um passeio pelas ruas da cidade. “Não consigo entender. Não há ninguém, apesar dos museus terem sido reabertos”, disse ela. Não havia mesmo turistas nas sempre lotadas lojas de chocolate, e nem nos cafés, apesar do frio intenso. Em uma grande avenida nas proximidades, a Anspach, o movimento era um pouco maior, mas bem abaixo do normal. A área havia se tornado quase silenciosa, sem o som habitual das buzinas, já que a rua estava fechada para os automóveis a fim de permitir o deslocamento rápido de veículos militares e da polícia. “Vai demorar para retomarmos vida normal”, afirma Stéphane Rager, gerente do Natura Café, na Anspach. “As pessoas continuam com muito medo.”
O brasileiro Altieres Lacerda, que mora em Bruxelas há cerca de 15 anos, diz nunca ter visto uma situação como a atual. “Não sei se é exagero do governo, mas a população está muito tensa. Eu também”, afirma. “Mas não podemos parar de viver por causa da ameaça do terror”, afirma Lacerda, que passou a evitar lugares públicos fechados. Ele trabalha em um restaurante que serve diariamente 200 jantares, mas que permaneceu a semana toda sem funcionar. “Também não há previsões de reservas para os próximos dias”, relata o brasileiro, que teme perder o emprego.

Nos últimos dias, Bruxelas ficou sob os holofotes da imprensa internacional não apenas pelas medidas extremas de segurança que paralisaram a cidade. O bairro de Molenbeek ganhou destaque no mundo após os recentes atentados em Paris. Considerado um “celeiro de terroristas” e “plataforma de tráfico de armas” na Europa, é ali que moravam quatro dos envolvidos na tragédia em Paris: Abdelhamid Abaaoud, o suposto mentor dos ataques que mataram 130 pessoas, os irmãos franceses Brahim e Salah Abdeslam (que continua foragido) e ainda Mohamed Abrini, também procurado pela polícia.

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Em Molenbeek, área com população majoritária de origem marroquina e a apenas 3 quilômetros do centro da capital belga, moravam ainda o francês Mehdi Nemmouche, que matou quatro pessoas no museu judaico de Bruxelas, em 2014, e Ayoubel-Khazzani, autor da tentativa fracassada, em agosto, de fazer um massacre em um trem na França, entre outros suspeitos de islamismo radical. As autoridades belgas têm sido fortemente criticadas por terem permitido o desenvolvimento de “células terroristas” no país. “Quase sempre há um vínculo com Molenbeek. Temos um problema gigantesco no bairro”, admitiu o primeiro-ministro belga, Charles Michel. Alguns culpam o ex-prefeito Philippe Moureaux, que governou a cidade por 20 anos, de ter fechado os olhos ao fenômeno da radicalização. A situação atual é mesmo preocupante. Até outubro, pelo menos 300 belgas juntaram-se a jihadistas na Síria e no Iraque, mais do que qualquer outra nacionalidade. 

Para chegar a Molenbeek, basta atravessar o canal de Bruxelas. São apenas dez minutos a pé da praça Sainte-Catherine, uma das áreas da feira de Natal. “Diferentemente das periferias de Paris, mais distantes e onde muitos parisienses jamais colocaram os pés, Molenbeek está integrada a Bruxelas, é muito perto”, afirma Benjamin Wayens, professor de geografia da Universidade Livre de Bruxelas. Apesar da curta distância entre Bruxelas e Molenbeek, as diferenças entre as duas localidades são grandes. No bairro dos muçulmanos, há comércios com placas em árabe, prédios modestos, somente homens nos terraços dos cafés e mulheres nas ruas com os cabelos cobertos com véus.Também há construções mais charmosas e lojas de roupas bacanas que poderiam existir em qualquer grande cidade europeia. A região onde os irmãos Abdeslam tinham um bar, fechado pela polícia em agosto por tráfico de drogas, está longe de ser um lugar mal cuidado ou que inspiraria medo.

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Rachid, motorista de caminhão, frequenta Molenbeek, mas preferiu se mudar, após viver 11 anos no local, para garantir melhores escolas aos filhos. Segundo ele, que é imigrante marroquino, o número de alunos por sala de aula em Molenbeek chega ao triplo da média nas escolas de Bruxelas. Há também brasileiros em Molenbeek, como a jovem Beatriz Macedo, 15 anos, que há cinco meses se mudou de São Bernardo, na Grande São Paulo, com toda a família. Ela diz que o bairro é “horrível” e que está realmente apavorada. Beatriz passou quatro dias trancada em casa por causa das ameaças de terrorismo. “Aqui não me sinto na Europa e sim em um país árabe”, diz a brasileira.

Fotos: AP Photo/Michael Probst; REUTERS/Youssef Boudlal; AFP Photo/Emmanuel Dunand