É verão em Marte. A temperatura é de 23 graus Celsius negativos. Do alto das encostas, riachos com cerca de 5 metros de largura e 300 metros de comprimento descem placidamente até atingirem cânions profundos. Vistos da órbita, esses canais são mais escuros do que a superfície avermelhada. Até a semana passada, era impossível dizer exatamente o que acontecia ali. Não mais. Cientistas da Nasa, a agência espacial americana, finalmente desvendaram o mistério: trata-se de água líquida misturada a sais. Esse achado raro – especialmente por estar na superfície – deve dar novo fôlego aos projetos de missões tripuladas para exploração do território marciano.

“Marte não é o planeta seco e árido que pensávamos ser no passado”, afirmou Jim Green, diretor de ciências planetárias da Nasa. Ainda não está claro se o líquido vem do subsolo ou se é resultado da absorção de umidade atmosférica pelo perclorato, um dos sais identificados pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter. É por causa dessa mistura salgada que a água não congela, mesmo no frio ambiente marciano. Sua existência na superfície representa uma descoberta fascinante por abrir novas possibilidades de vida extraterrestre, ainda que em simples formas unicelulares, e por inserir no contexto da exploração tripulada uma riquíssima fonte de recursos (confira quadro).

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Por enquanto, as previsões mais otimistas da Nasa são de enviar os primeiros seres humanos ao Planeta Vermelho até 2040. Embora as condições técnicas para isso existam, os desafios ainda são imensos. Estima-se que uma missão desse tipo custaria entre US$ 150 e US$ 300 bilhões.

Os perigos da viagem também não são totalmente conhecidos. Durante o período de seis a oito meses que uma espaçonave levaria para chegar ao planeta, os astronautas poderiam ser expostos a doses altíssimas de radiação solar. “Não dá para garantir que nesse tempo não ocorrerá nenhuma explosão solar de grande intensidade que colocaria em risco a vida dos tripulantes”, diz Pierre Kaufmann, coordenador do Centro de Radioastronomia e Astrofísica Mackenzie. “Uma eventual proteção dependeria de blindagem, que implicaria em peso, e isso traria grandes dificuldades para o lançamento com foguete.”

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Ao mesmo tempo, a disponibilidade de água para astronautas na superfície poderia ajudar a resolver outros problemas. “Não seria difícil destilar a água usando energia solar, e também obter oxigênio por eletrólise, ainda com energia solar”, afirma Jacques Lepine, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP). “Daria também para se pensar em algum tipo de agricultura, num ambiente fechado mantido em temperatura adequada.”

Caso a decisão de explorar Marte realmente seja tomada, a Nasa e outras agências espaciais do mundo precisarão chegar a um consenso burocrático. Atualmente, as regras do Comitê de Pesquisa Espacial praticamente inviabilizam o envio de seres humanos a regiões do espaço em que a vida tenha possibilidades de prosperar. O objetivo das restrições é evitar que micro-organismos terrestres contaminem esses locais. Ou seja: para colocar gente em Marte, as regras precisarão ser flexibilizadas ou os cientistas precisarão encontrar maneiras de esterilizar completamente trajes, robôs e acessórios, o que é considerado caro e pouco viável.

Enquanto a missão não sai da Terra, a Nasa estuda o aspecto psicológico de uma viagem dessas. Desde o dia 28 de agosto, seis pessoas estão confinadas em uma cúpula de 11 metros de diâmetro por 6 metros de altura aos pés de uma montanha no Havaí. O isolamento durará um ano e os participantes, que vão de astrônomos a jornalistas, terão que sobreviver à base de rações, atum e outras comidas em conserva. Todos são observados 24 horas por dia e a privacidade praticamente não existe. Muito parecido com o que ocorreria em Marte.

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Infográfico: Rica ramos