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Documentos obtidos pelo Estado indicam que uma medida provisória editada em 2009 pelo governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria sido “comprada” por meio de lobby e de corrupção para favorecer montadoras de veículos. Empresas do setor negociaram pagamentos de até R$ 36 milhões a lobistas para conseguir do Executivo um “ato normativo” que prorrogasse incentivos fiscais de R$ 1,3 bilhão por ano. Mensagens trocadas entre os envolvidos mencionam a oferta de propina a agentes públicos para viabilizar o texto, em vigor até o fim deste ano.

Para ser publicada, a MP passou pelo crivo da presidente Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil. Anotações de um dos envolvidos no esquema descrevem também uma reunião com o então ministro Gilberto Carvalho para tratar da norma, quatro dias antes de o texto ser editado. Um dos escritórios que atuaram para viabilizar a medida fez repasses de R$ 2,4 milhões a um filho do ex-presidente Lula, o empresário Luís Cláudio Lula da Silva, em 2011, ano em que a MP entrou em vigor.

O roteiro para influenciar as políticas de desoneração do governo e emplacar a MP é descrito em contratos de lobby pactuados antes da edição da norma. Conforme os documentos, a MMC Automotores, subsidiária da Mitsubishi no Brasil, e o Grupo CAOA (fabricante de veículos Hyundai e revendedora das marcas Ford, Hyundai e Subaru) pagariam honorários a um “consórcio” formado pelos escritórios SGR Consultoria Empresarial, do advogado José Ricardo da Silva, e Marcondes & Mautoni Empreendimentos, do empresário Mauro Marcondes Machado, para obter a extensão das benesses fiscais por ao menos cinco anos. Os incentivos expirariam em 31 de dezembro de 2010, caso não fossem prorrogados.

IPI

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Os contratos obtidos pelo Estado datam de 11 e 19 de novembro de 2009. No dia 20 daquele mês, o ex-presidente Lula assinou a MP 471, esticando de 2011 até 2015 a política de descontos no IPI de carros produzidos nas três regiões (Norte, Nordeste e Centro-Oeste). À época, a Ford tinha uma fábrica na Bahia e CAOA e Mitsubishi fábricas em Goiás. A norma corresponde ao que era pleiteado nos documentos. Em março do ano seguinte, o Congresso aprovou o texto, convertendo-o na Lei 12.218/2010. Suspeitas de corrupção para viabilizar a medida provisória surgiram em e-mails trocados por envolvidos no caso.

Uma das mensagens, de 15 de outubro de 2010, diz que houve “acordo para aprovação da MP 471” e que Mauro Marcondes pactuou a entrega de R$ 4 milhões a “pessoas do governo, PT”, mas faltou com o compromisso. Além disso, o texto sugere a participação de “deputados e senadores” nas negociações. Não há, no entanto, menção a nomes dos agentes públicos supostamente envolvidos.

Acordo

O e-mail diz que a negociação costurada por representantes das empresas de lobby viabilizou a MP 471. O remetente – que se identifica como “Raimundo Lima”, mas cujo verdadeiro nome é mantido sob sigilo – pede que o sócio-fundador da MMC no Brasil, Eduardo Sousa Ramos, interceda junto à CAOA para que ela retome pagamentos.

Diferentemente da representante da Mitsubishi no Brasil, a CAOA teria participado do acerto, mas recuado na hora de fazer pagamentos. Um dos lobistas não teria repassado dinheiro a outros envolvidos.“Este (Mauro Marcondes Machado) vem desviando recursos, os quais não vêm chegando às pessoas devidas (…) Comunico ao senhor do acordo fechado para a aprovação da MP 471, valor este do seu conhecimento. (…) o sr. Mauro Marcondes alega ter entregado a pessoas do atual governo, PT, a quantia de R$ 4 milhões, o qual (sic) não é verdade”, alega.

A mensagem, intitulada “Eduardo Sousa Ramos (confidencial)” foi enviada às 16h54 por “Raimundo” à secretária do executivo da MMC, Lilian Pina, que a repassou a Marcondes meia hora depois. O remetente escreve que, se o dinheiro não fluísse, poderia expor um dossiê e gravações com detalhes das tratativas. “A forma de denúncia a ser utilizada serão as gravações pelas vezes em que estive com Mauro Marcondes, Carlos Alberto e Anuar”, avisa, referindo-se a empresários da CAOA. “Dou até o dia 21 para que me seja repassada a quantia de US$ 1,5 milhão”, ameaça.

Os dois escritórios de consultoria confirmam ter atuado para emplacar a MP 471, mas negam que o trabalho envolvesse lobby ou pagamento de propina.

Ambos são investigados por atuar para as montadoras no esquema de corrupção no Carf. A MMC e a CAOA informam ter contratado a Marcondes & Mautoni, mas negam que o objetivo fosse a “compra” da Medida Provisória. Dono da SGR, José Ricardo era parceiro de negócios do lobista Alexandre Paes dos Santos, ligado à advogada Erenice Guerra, secretária executiva de Dilma na Casa Civil quando a MP foi discutida. Marcondes é vice-presidente da Anfavea, na qual representa a MMC e a CAOA.

Governo afirma ter feito ‘trabalho rotineiro’

A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, que responde pela presidente Dilma Rousseff, informou que a Casa Civil "coordenou" a iniciativa da medida provisória, o que disse ser um "trabalho rotineiro".
Afirmou, ainda, que a MP "foi debatida pelo Congresso durante cerca de quatro meses" e "resultou à época de iniciativa conjunta dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; da Fazenda; e da Ciência e Tecnologia."

O ato, segundo a Presidência, "teve como objetivo estimular os investimentos, em particular em pesquisa e desenvolvimento, e os empregos nessas regiões (Norte, Nordeste e Centro-Oeste)."

O ex-presidente Lula não respondeu a nenhum dos questionamentos enviados pelo Estado. A MMC sustentou jamais ter firmado "qualquer contrato com a SGR Consultoria Empresarial". "A MMC não tem conhecimento e jamais participou de qualquer negociação com deputados, senadores ou integrantes do governo para a viabilização da MP 471", assegurou. A CAOA, primeiro, negou ter contratado os escritórios para lobby ou qualquer outro serviço. Depois, admitiu que contratou a Marcondes e Mautoni para representá-la na Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Em nota, a montadora alegou jamais ter pago "qualquer consultoria ou empresa para aprovação de qualquer MP". "A CAOA não assinou nenhum contrato, nem pagou qualquer quantia para as empresas.". Os escritórios Marcondes & Mautoni Empreendimentos e SGR – Consultoria empresarial confirmaram ao Estado terem sido contratados para atuar pela edição da medida provisória 471, mas negam ter feito lobby no Executivo e no Congresso ou pago propina a agentes públicos para a edição do ato normativo pelo governo Lula.


O empresário Mauro Marcondes Machado, sócio da Marcondes & Mautoni, afirmou em nota que foi contratado pela MMC para elaborar "estudos técnicos, econômicos e jurídicos para demonstrar que a manutenção da concessão dos benefícios fiscais" e disse ter recebido "um valor pelo serviço que foi efetivamente prestado, mas muito inferior ao que está sendo dito". O empresário negou que tenha sido contratado também pela CAOA para atuar em favor da MP ou recebido "qualquer valor dessa empresa nesse contexto."

O criminalista Getúlio Humberto Barbosa de Sá, que defende José Ricardo, disse que o escritório também foi contratado pelas empresas para fazer um "trabalho de pesquisa para viabilizar a prorrogação do incentivo fiscal e apresentá-lo a quem de direito."


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