O espectro do doping ronda a elite do atletismo e em pleno campeonato mundial, realizado em Pequim, na China, entre os dias 22 e 30 de agosto. Com competidores suspensos pelo uso de substâncias proibidas e dezenas de esportistas com histórico de afastamento por consumo de drogas participando das provas e subindo ao pódio, a entidade máxima do esporte, a Associação Internacional das Federações de Atletismo (Iaaf), tentou camuflar o escândalo. O termômetro da desconfiança, que já alcançava marcas elevadas há tempos, explodiu de vez quando o jornal britânico “The Sunday Times” e a rede de TV alemã “ARD/WDR” publicaram reportagens afirmando que um terço das medalhas olímpicas e de campeonatos mundiais em provas de resistência foram obtidas por atletas cujos exames mostravam possível contaminação. Além disso, de acordo com os mesmos veículos, a Iaaf tentou esconder um estudo conduzido pela Universidade de Tubingen, na Alemanha, em que 34% dos competidores de alto nível admitiram terem feito uso de anabolizantes. “Como no ciclismo, parece que o doping está generalizado no atletismo”, diz Renato Romani, pesquisador do Centro de Estudos para a Medicina da Atividade Física e do Esporte da Escola Paulista de Medicina (Unifesp).

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POLÊMICA
Chegada dos 100 metros em Pequim: suspeita de substâncias
ilegais em provas de alto rendimento

Logo no início dos jogos em Pequim ficou claro que as provas seriam manchadas pela sombra das denúncias. No começo de agosto, apareceu a primeira, originária de dados médicos vazados por um informante. Eles cobrem um período superior a dez anos, entre 2001 e 2012, e abarcam 12 mil exames de sangue de 5 mil atletas. Os resultados de mais de 800 foram considerados suspeitos, maculando a conquista de 146 medalhas, incluindo 55 ouros. A outra acusação veio à tona dias depois, a apenas uma semana da competição. A associação internacional teria bloqueado o resultado de uma pesquisa com 1,8 mil atletas durante o campeonato mundial de Daegu, na Coreia do Sul, em 2011. Eles supostamente admitiram ter consumido substâncias ilegais para melhorar seu rendimento. A Iaaf teria garantido o acesso aos esportistas em troca do poder de veto às conclusões, que foram feitas por acadêmicos de fora da entidade. “Os achados demonstram que o doping é difundido entre atletas de elite e continua largamente não controlado”, diz o documento, segundo o jornal.

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SOMBRA
Ouro nos 10 mil m, inglês Mo Farrah tem técnico acusado de dopar atletas

Na China, os indícios foram ressaltados pelo desempenho de vários competidores com histórico de contaminação. Ao todo, 50 condenados foram à disputa. O jamaicano Asafa Powell, uma das maiores estrelas, foi punido pelo uso de estimulantes e ficou de fora das corridas entre 2013 e 2014. No Ninho do Pássaro, disputou os 100m e o revezamento 4x100m. O círculo de contaminação não distingue nacionalidades. O americano Tyson Gay, que participou das mesmas modalidades, foi flagrado na Olimpíada de Londres, em 2012. Apesar de limpo nos testes, outro destaque dos jogos, o britânico Mo Farrah, primeiro colocado nos 10 mil metros, viu em junho seu técnico ser acusado de dopar ex-pupilos. No próprio campeonato mundial, as quenianas Joyce Zakary e Koki Manunga foram suspensas após cairem no exame antidrogas. O Quênia, primeiro lugar no quadro de medalhas até o fechamento desta edição, é uma potência em ascensão de várias modalidades do atletismo, mas também um dos principais alvos das desconfianças. Dos 800 casos vazados considerados suspeitos, 77 são de quenianos. Em situação pior está a equipe russa. Metade dos vazamentos se refere a esportistas do país. Soma-se a isso a informação de um documentário alemão que alega que competidores da Rússia subornam fiscais para serem liberados. 

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Especialistas ouvidos pela ISTOÉ se dividem quanto à abrangência das denúncias. “Sempre foi assim. Nos anos 1950, 1960, aquela coisa dos EUA contra URSS era a festa do doping”, diz Romani, da Unifesp. “O esporte de alto rendimento cheira a anabolizante.” Membro da Corte Arbitral do Esporte, instância máxima da jurisdição desportiva mundial, Alberto Murray considera que o atletismo não chegou no nível de contaminação de esportes como o ciclismo, por exemplo. “Uma máfia atuava no ciclismo, está muito além do que acontece nas outras modalidades”, afirma. De acordo com ele, porém, as acusações fazem acender um “sinal amarelo”. Para Alexandre Nunes, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que participou do controle de doping em várias olimpíadas, “mais resultados positivos de contaminação também aparecem porque o controle é maior do que em outras categorias.” O quadro melhorará, segundo os estudiosos, quando mais dinheiro for colocado no monitoramento, para fazer frente à milionária indústria do submundo dos anabolizantes. “A questão do doping no mundo tem de ser tratada com a mesma seriedade como é tratado o tráfico de drogas”, diz Murray.

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Fotos: AP Photo/David J. Phillip; AP Photo/Darron Cummings; AFP PHOTO / JOHANNES EISELE 


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