Em fevereiro de 1945, poucos meses antes do fim da 2ª Guerra Mundial, uma conferência juntou Josef Stálin, Franklin Roosevelt e Winston Churchill, os líderes de União Soviética, Estados Unidos e Reino Unido. Ali, os “Três Grandes” decidiram os caminhos do mundo depois do conflito e iniciaram os tensos anos da Guerra Fria. Os novos alicerces da comunidade internacional foram fundados no meio ano que se seguiu àquela reunião, a fase explorada pelo historiador e jornalista americano Michael Dobbs em seu livro “Seis Meses em 1945 – Roosevelt, Stálin, Churchill e Truman da Segunda Guerra à Guerra Fria” (Companhia das Letras), que acaba de chegar às livrarias do País. Durante esse curto período, houve o suicídio de Adolf Hitler, explodiu a bomba atômica e o planeta foi redividido. Com a derrota do fascismo, comunismo e liberalismo disputaram para se tornar a ideologia dominante. Após aqueles dias a humanidade deixou para trás a idade da catástrofe e experimentou uma era de ouro de conquistas tecnológicas e pujança econômica, ainda que temperada com as tensões da Guerra Fria e o receio de uma hecatombe nuclear. As mudanças abriram a brecha para a falência do velho colonialismo e o deslocamento dos homens rurais rumo à cidade.

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ENCONTRO
Churchill, Roosevelt e Stalin na Conferência de Yalta, em fevereiro de 1945

Apesar de abrir foco sobre o meio ano que se seguiu à Conferência de Yalta, na Crimeia, à beira do Mar Negro, em fevereiro, onde Stálin, Roosevelt e Churchill se sentaram à mesa de negociações, Dobbs centra a obra nas discussões palacianas que redesenharam o mapa-múndi. Ganham destaque as maquinações do ditador soviético, que buscava manter a zona de influência do regime comunista. Era um embate que ele não poderia perder, já que dominava militarmente o Leste Europeu após ter feito recuar as tropas alemãs. Em boa parte das questões abordadas em Yalta, foi Moscou que ditou os termos.

Um exemplo se deu com a Polônia. Foi a invasão do país pelo exército nazista que desencadeou a 2ª Guerra. Churchill considerava o abandono do país pela União Soviética moralmente condenável, mas pouco pôde fazer ante o acordo entre o presidente americano e Stálin, que, segundo Dobbs, a via como um inimigo perpetuamente tramando contra a Rússia, um corredor para invasões estrangeiras e conduíte da ideologia ocidental. Não que o primeiro-ministro britânico fosse refratário à crua política do período. Em troca dos 90% de influência sobre a Grécia concedidos à Grã-Bretanha, Churchill concordou com uma participação só de 10% nos assuntos da Romênia.

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TRAMA
O livro do historiador e jornalista americano Michael Dobbs mostra
os bastidores das ações dos grandes líderes daquela época

Enquanto Stálin expandia seu poderio, os líderes ocidentais enfrentavam problemas caseiros. Roosevelt era um homem doente, afetado pela poliomielite que o prendia à cadeira de rodas. Já Churchill preocupava-se com a sucessão, que de fato perdeu para o trabalhista Clement Attlee. O resultado da eleição saiu durante a conferência de Potsdam, realizada entre julho e agosto de 1945. A reunião selou o acordo final entre os vencedores do conflito, mas antes de seu fim o primeiro-ministro conservador foi substituído por Attlee. Harry Truman entrou no posto de Roosevelt, que morrera em abril daquele ano.

O autor finaliza o livro com os ataques atômicos dos EUA contra as cidades de Hiroshima e Nagasaki, em agosto, o derradeiro ponto final da 2ª Guerra. Como muitas das variadas mudanças que se seguiram à era da catástrofe, o balanço de poderes após o conflito foi definido pelo avanço da ciência. Com a conclusão, Dobbs mostra que apesar de construir a obra em torno de figuras proeminentes, não considera que a Guerra Fria só tenha existido por obra de Stálin, Churchill, Roosevelt e Truman. Segundo o historiador americano, todos estavam atados pela realidade de seus países e, mais do que isso, pela roda dos acontecimentos. De acordo com o autor, a história às vezes possui uma mente própria que se move contrariamente à decisão das personalidades mais carismáticas. 

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