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O repórter Lucas Bessel faz um balanço do Pan de Toronto

É noite no Toronto Coliseum, local de disputa da ginástica artística dos Jogos Pan-Americanos de 2015. Quando a brasileira Flávia Saraiva, 15 anos, 1,33 m de altura, sobe ao tablado para a apresentação no solo, conquista atenção imediata. “Olhe esta gracinha”, comenta uma torcedora fantasiada de Canadá da cabeça aos pés. Na arena lotada, faz-se o silêncio, logo quebrado pelo início da peça musical que acompanha a série. A cada pirueta mais elaborada, gritos de incentivo ecoam. Logo, palmas marcam o ritmo da música. Com um sorriso no rosto, a brasileira encerra a apresentação e corre para abraçar o técnico Alexandre Carvalho. A nota de 14.650, mais alta para o solo entre todas as atletas naquele dia, ajuda Flávia a somar 57.050 e a conquistar o bronze na competição individual geral – aquela que indica a melhor ginasta na soma dos aparelhos. Neste Pan, essa medalha importa. Não por causa do resultado em si, mas principalmente pelo potencial que ela indica.

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GLÓRIA
Isaquias Queiroz, da canoagem, em ação e no pódio. Aos 21 anos,
o baiano sai de Toronto com dois ouros e uma prata

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“Desde o começo do ano, a gente tinha a meta de buscar a nota (total) de 57”, diz Carvalho, treinador de Flávia. “Aqui, ela conseguiu 57.050. Isso é difícil e nos deixou muito felizes.” A pequena ginasta brasileira ainda tem toda uma carreira e muito aprendizado pela frente, mas mostra evolução rápida nos resultados. Com um ouro e duas pratas na Olimpíada da Juventude de 2014, duas medalhas (ouro e prata) na etapa de São Paulo da Copa do Mundo de Ginástica e dois bronzes em Toronto (o outro veio na disputa por equipes), ela também provou que sabe transmitir aos árbitros e ao público a leveza, a graça e a beleza artística tão valorizadas nesse esporte. Mas o treinador pede paciência com as cobranças. “A Flávia não tem a palavra promessa no dicionário. A única coisa que ela tem que prometer para mim é fazer o melhor no treino, sempre.”

Se Flávia Saraiva mostra potencial, Isaquias Queiroz, da canoagem, revela estar pronto para brigar pelo primeiro lugar na Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro. Aos 21 anos, o atleta baiano sai de Toronto com dois ouros (C1 1.000 m e C1 200 m), uma prata (C2 1.000 m, conquistada ao lado de Erlon de Souza) e o feito de bater em casa o canadense Mark Oldershaw, medalhista olímpico em Londres-2012. “A pressão era enorme”, afirma o brasileiro, que também tem dois títulos mundiais. “Desde 1999, o Canadá vinha dominando essa prova. Agora, é pensar no Rio.” Isaquias é considerado por companheiros de seleção e adversários como um dos maiores fenômenos da canoagem a surgir nos últimos tempos. As primeiras remadas foram dadas aos 10 anos, no rio das Contas, que corta a cidade de Ubaitaba, a 379 km de Salvador (BA). O município de cerca de 21 mil habitantes, responsável por revelar boa parte dos talentos brasileiros dessa modalidade, é a prova de que o investimento na captação de novos talentos precisa ser constante. Isaquias chegou à modalidade por meio do programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, mas não era exatamente apaixonado pela disciplina exigida nas competições. “Eu gostava de ficar no rio, mas tomando banho”, diz o atleta. “Se o técnico flagrava, era suspensão.”

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Quem também está de olho na capital carioca é a nova geração da natação brasileira. Neste Pan, atletas como Henrique Rodrigues, 24 anos, ouro nos 200 m Medley e no revezamento 4×200 m Medley, e Etiene Medeiros, também de 24 anos, ouro nos 100 m costas (o primeiro de uma brasileira em provas individuais), mostram que o País vai à próxima Olimpíada com uma equipe competitiva, capaz de superar em muitas provas o forte time dos Estados Unidos. No caso da seleção feminina, os resultados no Canadá foram os melhores da história em Jogos Pan-Americanos, com oito medalhas no total. “É meu segundo Pan e eu conquistei um feito muito importante”, disse a pernambucana Etiene, ainda com os cabelos molhados e medalha no peito. “Isso tudo conta pontos para a Olimpíada.” No entanto, é preciso tomar cuidado para que as dez medalhas de ouro obtidas pela natação brasileira em Toronto não gerem falsas expectativas. Em alguns casos, o primeiro lugar no Pan não significa uma colocação tão boa assim considerando o contexto mundial, seja no ano de 2015, seja desde a Olimpíada de 2012, em Londres. Um exemplo claro disso é o de Thiago Simon, ouro nos 200 m peito com o tempo de 2:09.82 (recorde pan-americano). Essa é apenas a 14ª melhor marca do ano e a 23ª melhor desde os últimos Jogos Olímpicos.

Entre as gratas surpresas do Brasil no Pan, uma chamou especial atenção: o ouro de Felipe Wu, do tiro esportivo, na pistola de ar de 10 m. O jovem de 23 anos conseguiu 201,8 pontos em Toronto, marca que teria lhe dado o título mundial em 2014. “Foi 99 por cento de concentração e um por cento de sorte”, disse Wu. Morador da zona sul da capital paulista, o atleta espera que o lugar mais alto no pódio canadense o ajude a conseguir melhores condições de treino. Hoje, a preparação é feita no quintal de casa, num espaço de apenas 7 m de comprimento – 3 m a menos do que ele precisa. O ouro também garantiu mais uma vaga para o tiro esportivo brasileiro nos Jogos Olímpicos (como país-sede, o Brasil já tinha nove asseguradas). Embora a participação do próprio Wu ainda não esteja certa, uma vez que vaga é da nação, e não do atleta, ele se mostra confiante. “Fico feliz porque é meio caminho andado para a Olimpíada”, afirma.

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Ironicamente, entre as conquistas de maior destaque nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, ao menos uma não é consequência direta de medalha. O hóquei sobre grama masculino do Brasil, que ainda não tinha vaga assegurada na Olimpíada de 2016 por não ter atingido os critérios técnicos mínimos exigidos pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), obteve uma heroica vitória nas quartas-de-final sobre a seleção dos Estados Unidos, nos pênaltis, após empate por 1 a 1 no tempo normal. Somado ao triunfo sobre México e Chile, o resultado foi suficiente para garantir a participação na Olimpíada em casa, daqui a um ano. Ao fim da partida contra os EUA, o significado disso para o time ficou claro. Os atletas, com lágrimas nos olhos, se abraçavam, emocionados, e pareciam não acreditar no que tinham feito. “Não dá para descrever. É muita alegria, eu não consigo expressar isso. É Olimpíada”, disse o capitão, André Luiz Patrocínio.

Para os atletas brasileiros de todas as modalidades, é mesmo inegável: o foco é a competição olímpica em casa. Por isso, este Pan foi especial. Foi a oportunidade de colocar à prova anos de preparação para um objetivo maior e também de mostrar a cara para um País que ainda carece de ídolos fora do futebol. Os candidatos estão aí. Logo após conquistar o ouro, quebrar o recorde pan-americano de levantamento de peso na categoria acima de 105 kg e cravar a quarta melhor marca do mundo no ano (427 kg no total), Fernando Reis, de 25 anos, deixou isso muito claro. “Vou treinar como um cavalo para estar no Rio como um monstro. Pode contar com isso”, disse. Alguém duvida?

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Fotos: Daniel Kfouri; USMAN KHAN/AFP PHOTO; Saulo Cruz/Exemplus/COB; SERGIO DUTTI/EXEMPLUS/COB; Al Bello/Getty Images/AFP; Mark Humphrey/AP Photo, Stefano Martini; Ezra Shaw/Getty Images/AFP, Paulo macini/Ag. Istoé; Felipe Dana/AP Photo 


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