Há crianças comendo merenda no chão por falta de mesas. Há salas que funcionam no mesmo espaço de um posto de saúde. Faltam portas e janelas na escola que fica tão fria a ponto de a professora dar aula do lado de fora para aproveitar o sol. Não há banheiros, mas latrinas. Não há sequer energia elétrica. Se esses fossem relatos do início do século passado, o choque seria menor. Mas são condições encontradas de um ano para cá, em unidades de ensino de Norte a Sul do País, por promotores e procuradores da República do projeto Ministério Público pela Educação (MPEduc). Criado em abril de 2014, a ação é uma parceria entre o Ministério Público Federal e MP estaduais para fiscalizar as escolas públicas nas últimas posições do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A iniciativa tem revelado um cenário ainda mais preocupante do que já se esperava. “A área é uma prioridade para todos os gestores públicos no discurso, mas, na prática, não. Encontramos situações devastadoras”, afirma Maria Cristina Manella Cordeiro, procuradora da República e idealizadora do projeto. “Nos últimos dez anos, o governo federal investiu em programas de educação básica. Mas, se a verba fosse aplicada de forma correta, o cenário não deveria estar como o encontramos hoje.”

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PÉSSIMAS CONDIÇÕES
Transporte escolar em Lagoa Nova (RN) é feito em paus de arara.
Abaixo, sala de aula em Cerro Corá (RN), que serve também
para depósito de material de construção

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Procurador na cidade de Caicó, no Rio Grande do Norte, Bruno Lamenha visitou, de março a junho, cerca de setenta escolas nas cidades de Cerro Corá, Currais Novos e Lagoa Nova. “Encontramos problemas de toda ordem. Há escolas sem água potável e onde a pia do banheiro é um tanque, e a torneira, uma garrafa pet. Há até unidades com riscos de desabamento”, comenta. Seguindo a cartilha do projeto, o próximo passo é enviar recomendações aos gestores e, entre seis e oito meses, retornar aos locais para verificar o cumprimento das orientações.

A intenção é tentar resolver fora do meio judicial, no diálogo. Outro ponto importante do MPEduc é a realização de audiências públicas com secretários de educação, professores e membros da comunidade. “O principal desse trabalho é o empoderamento. Tem gente que não sabe que os chamados paus de arara para transporte são irregulares. Então, informamos a população, que depois nos procura para denunciar o que está errado”, diz Lamenha.

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IMPROVISO
Único computador de escola em São Pedro do Piauí (PI), usado
apenas pela diretoria, divide espaço com alimentos 

Em São Pedro do Piauí (PI), o projeto foi implantado no final de 2014 e a segunda visita de verificação já foi feita, mas com uma surpresa triste: em uma das escolas, as recomendações aos gestores não só não foram seguidas como desde o início do ano faltam professores de química, inglês e educação física. “A Secretaria Estadual de Educação nos procurou e se comprometeu a resolver isso em três meses”, informa o procurador regional dos direitos do cidadão no Piauí, Alexandre Assunção e Silva.

No interior do Rio Grande do Sul, a cidade de Santana do Livramento também já faz parte do programa. Até agora, oito escolas foram vistoriadas. “Fomos a um colégio em que uma sala não tinha porta e as janelas eram vedadas com papelão. Fazia 5ºC. Era mais frio dentro do que fora”, relembra Luciane Goulart de Oliveira, procuradora da República no município. Hoje, todos os estados fazem parte do projeto. O último a entrar foi São Paulo, onde as inspeções devem começar pela cidade de Ubatuba, no litoral norte.

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O projeto piloto foi instalado no Rio de Janeiro, sob coordenadoria da procuradora Maria Cristina Manella Cordeiro. No programa desde seu início, ela avalia que há necessidade de aumento de repasses por parte do governo federal, mas ressalta que, além de casos de corrupção, há graves problemas de gestão que prejudicam a estrutura escolar. Mesmo em meio à crise, o Ministério da Educação garante que mantém o orçamento previsto para os programas do ensino básico. Em junho, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação repassou R$ 402 milhões para alimentação e transporte escolar a todos os municípios e estados. O Programa Dinheiro Direto na Escola, também federal e que presta auxílio financeiro suplementar às escolas públicas, deve repassar R$ 2,9 bilhões em 2015, R$ 400 milhões a mais do que em 2014. Diante do cenário revelado pelo MPEduc, porém, fica a pergunta óbvia: para onde vai esse dinheiro, afinal?

Fotos: MPF/PRM Caicó; MPF/PI