Na região central de Minas Gerais e a 110 quilômetros de Belo Horizonte, a pequena Itabira é conhecida por duas razões principais. Lá nasceu Carlos Drummond de Andrade, o maior poeta brasileiro. O outro motivo tem raízes econômicas: o município é o segundo principal produtor de minério de ferro do País e berço da Vale do Rio Doce, a segunda mineradora do mundo. A Itabira atual parece justificar um dos versos do poeta: “O hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana.” Graças à queda dramática do preço do minério de ferro no mercado internacional – em 3 anos, a tonelada caiu de US$ 200 para US$ 60 –, a cidade, que tem 90% de sua economia ligada às atividades da Vale, vive tempos difíceis. “A situação é trágica”, admite o prefeito Damon Lázaro de Sena (PV). “Tivemos que fazer cortes drásticos.” O rombo no Orçamento da prefeitura deve chegar a R$ 200 milhões até o final do ano, segundo os cálculos da prefeitura. “Somos totalmente dependentes do minério de ferro”, diz Sena.

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NA LAMA 
Produção de minério de ferro em Minas Gerais: em três anos,
o preço da tonelada caiu de US$ 200 para US$ 60

A crise global da mineração, fortemente influenciada pela retração da China, e a estagnação da economia brasileira andam perturbando a rotina de boa parte dos 116 mil habitantes de Itabira. Os itabiranos convivem diariamente com a realidade de demissões e a debandada de milhares de trabalhadores. O comércio está à míngua. Nas ruas, é possível ver centenas de placas de imóveis à venda ou para locação. “Vivemos um cenário de velório sem defunto”, diz o empresário Eugênio Muller, sobrinho neto de Drummond e vice-presidente da Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agropecuária (Acita) da cidade. Os cortes nos postos de trabalho, a queda na arrecadação e a freada nos investimentos ajudam a explicar o mau momento da economia. Mas não é só isso. “Há anos o município sabe que um dia o minério entraria em crise, mas não saímos da zona de conforto”, diz Muller.

A queda no preço do minério afeta a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (nada mais do que os royalties do minério ), que é de 2% do lucro líquido das mineradoras. Pela legislação em vigor, 68% desse imposto vai para as prefeituras. Como as mineradoras têm colecionado prejuízos, os municípios deixam de receber. Sem dinheiro, dispensam funcionários e não honram contratos com os fornecedores. Estes, por sua vez, reproduzem as dificuldades, numa sequência negativa sem fim. “É um ciclo tortuoso”, diz Maurício Henrique Martins, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Itabira. Ele próprio sentiu os efeitos perversos da crise. Das doze lojas de roupas que tinha na cidade, dez foram fechadas.

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DA JANELA
"Vivemos um cenário de velório sem defunto", diz o empresário
Eugênio Muller, sobrinho neto de Drummond

O choque é maior quando se compara a situação atual com a bonança de três anos atrás. O boom econômico do minério de ferro atraiu para Itabira pessoas como o ex-bancário Alexandre Társia. Em 2012, ele pegou o dinheiro da rescisão trabalhista, juntou suas reservas e largou a capital mineira para construir o Hotel Solar Imperial em Itabira. Os negócios deram certo até dezembro passado, quando a pousada manteve 100% de ocupação. De lá pra cá, tudo ruiu. “Demiti todos os funcionários”, diz. “Perdi meu investimento. Hoje sequer o telefone toca.” A saída foi colocar o imóvel para alugar. “Acho que vou para Austrália.”

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho mostram que, apenas em 2015, a mineração perdeu 4.432 postos de trabalho na cidade. “Os moradores estão apavorados”, afirma Paulo Soares de Souza, presidente do Sindicato dos Mineiros de Itabira e região (Metabase). “Contabilizamos mais de dez mil desempregados.” O número elevado se deve ao efeito multiplicador de um emprego na mineração. Segundo cálculos do Ministério de Minas e Energia, para cada posto de trabalho criado no setor, outros 13 surgem ao longo da cadeia produtiva. É impossível caminhar pelas íngremes ladeiras da pequena área central da cidade sem ouvir um rosário de lamúrias. A melancolia, que tanto inspirou Drummond, parece mesmo fazer parte da alma da cidade. A diferença é que, agora, os itabiranos têm motivos de sobra para justificar o pessimismo. “Itabira é apenas uma fotografia na parede”, escreveu o poeta. “Mas como dói.”

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Fotos: José Cruz/Ag. Brasil; Alan Rodrigues