As manobras fiscais de 2014 ainda nem foram julgadas, mas o governo insiste nas mesmas práticas já condenadas pelo TCU e que podem levar o tribunal a reprovar as contas da presidente Dilma Rousseff de maneira inédita na história. Uma análise no Orçamento da União deste ano mostrou que, de janeiro a abril, o governo voltou a fazer operações de crédito que elevaram a dívida do Tesouro com bancos públicos e com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) em cerca de R$ 20 bilhões. Em auditorias realizadas de setembro a novembro de 2014, os técnicos haviam identificado que recursos das instituições financeiras e FGTS foram utilizados para pagar pelo menos R$ 40,2 bilhões em despesas de benefícios sociais que deveriam ter saído do caixa do Tesouro, como o Bolsa Família, auxílios previdenciários, despesas do Minha Casa, Minha Vida e créditos agrícolas. Esses artifícios, que permitiram ao governo exibir uma saúde econômica muito distante da realidade, ficaram conhecidos como pedaladas. No TCU, a maquiagem nas contas para elevar superficialmente o resultado do superávit foi considerada violação à lei de responsabilidade fiscal. “Há um descumprimento de lei. Um banco público não pode emprestar dinheiro para o governo. É como se você estivesse devendo no seu cheque especial, e o governo não pode ter esse cheque especial”, disse o ministro José Múcio.

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PEDALADA FATAL
Se o TCU rejeitar as contas da presidente, pressão pelo seu afastamento aumentará

A reincidência pode complicar a situação da presidente, que ainda precisa explicar aos integrantes do colegiado, por exemplo, por que o governo não registrou na dívida pública os passivos gerados pelos atrasos nos repasses do Tesouro a bancos e autarquias. Em entrevista à ISTOÉ, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que atua no TCU, disse que a repetição das pedaladas “é um péssimo sinal”. “O governo encontra dificuldades com a queda da arrecadação, mas do nosso ponto de vista, regras não podem ser quebradas”, afirmou.

O Planalto tenta convencer o TCU que o ex-secretario do Tesouro Arno Augustin é quem foi o responsável pela prática ilegal. No seu último dia de trabalho, Augustin assinou uma nota técnica em que se responsabiliza pelas manobras fiscais. Para o Ministério Público, no entanto, as contas do governo são de responsabilidade da presidente. “Os decretos são assinados pela presidente. Se ela foi mal orientada pelo Arno Augustin, ela tem a responsabilidade por ter escolhido o secretário do Tesouro”, afirmou Júlio Marcelo.

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Se o governo não conseguir convencer o tribunal, e tem até a segunda quinzena de julho para isso, Dilma terá as contas rejeitadas e poderá estar formalmente enquadrada no crime de responsabilidade fiscal. O prazo para que Dilma respondesse a 13 questões elaboradas pelo TCU foi concedido há duas semanas pelo relator do processo, ministro Augusto Nardes. Na semana passada, Nardes deu sinais de que não pretende aliviar para o Planalto. O relator afirmou que o governo “passou dos limites” ao ignorar alertas do órgão de fiscalização. “Chega de aprovar contas com ressalvas, porque o governo passou dos limites, como no caso da Petrobrás. Falta de aviso não foi, mas, infelizmente, governantes não aceitaram as sugestões.” O ministro concorda com o Ministério Público que a contabilidade governamental não é atribuição exclusiva do secretário do Tesouro. “As contas não são do Arno, são da presidente Dilma. O fato de um gestor fazer não significa que ela não possa ser responsabilizada. Não são os atos de Arno que estamos analisando, são as contas da presidente. Se um assessor dela tomou uma medida em nome do governo, a responsabilidade é dela” , fez coro Nardes.

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Em razão das manobras no Orçamento, a oposição já solicitou ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, abertura de ação penal contra Dilma. Janot ainda não se pronunciou sobre o pedido. Uma possível rejeição das contas do governo, porém, poderá ter um peso na análise da PGR. O descumprimento de regras de aplicação do Orçamento da União é previsto na Constituição como crime de responsabilidade. Se o procurador-geral decidir encaminhar ao Supremo Tribunal Federal (STF) o pedido de abertura de ação penal contra a presidente, a corte terá que pedir autorização do Congresso para investigar Dilma. Acatado o pedido do Supremo, a Constituição determina que a presidente se afaste do cargo por 180 dias, para que a influência política e institucional não interfira nas investigações. Nesse caso, estaria criado o ambiente político que a oposição tanto aguarda para apresentar um pedido de impeachment contra a presidente.

Foto: Jorge William/Ag. O Globo; Givaldo Barbosa/Ag. O Globo 


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