João Batista Vilanova Artigas estudou engenharia e artes plásticas. Foi aluno de Alfredo Volpi e professor dos maiores arquitetos do Brasil. Vindo do tempo que não existiam cursos de arquitetura no País, criou ao lado de colegas como Paulo Mendes da Rocha o que é hoje a mais importante escola da área, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Com Carlos Cascaldi, desenhou seu edifício. Mas só pode conhecer a obra pela qual é mais aclamado dez anos depois da inauguração. Integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), exilou-se no Uruguai e, depois de retornar ao País, foi proibido pela ditadura militar de lecionar.

PIC_CULTURA.jpg
HIATO
João Batista Vilanova Artigas na FAU-USP, projetada por ele. Perseguido pela
ditadura militar, só conheceu o edifício dez anos depois da conclusão das obras

“Ele desagradava muita gente, não só por causa de suas convicções políticas, mas também pela ousadia de seus projetos”, lembra o arquiteto Ruy Ohtake, seu aluno na FAU, depois assistente e, hoje, um dos grandes profissionais brasileiros que tiveram a carreira determinada pelo“líder da Escola Paulista”.

Artigas completaria 100 anos no próximo dia 23 de junho, quando será aberta uma exposição em sua homenagem no Itaú Cultural, em São Paulo, com curadoria de sua filha, a historiadora Rosa Artigas. O arquiteto morreu aos 69 anos, logo depois de ter sua volta à docência na faculdade que criou dificultada pelos trâmites burocráticos deixados pelo governo autoritário. Mas mesmo afastado do ensino, os princípios que defendia contaminaram tudo o que se produziu em arquitetura no Brasil a partir de então. “Ele mudou a forma de a família ocupar a moradia”, diz Ohtake. De fato, uma das revoluções na casa brasileira saiu de sua prancheta: o fim da hierarquia entre as áreas social e de serviço, como ocorre no edifício Louveira, em São Paulo. “Não havia legislação na época que desse conta da proposta do Artigas”, conta a historiadora.

CULTURA-02-IE.jpg
MARCO
O Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi. O projeto de 1953 se tornou
símbolo do uso inteligente do concreto. A arena foi inaugurada em 1960,
com uma vitória do São Paulo, time da casa, contra o Sporting Lisboa

Os imóveis do bairro de Higienópolis, hoje disputados pelos paulistanos, custaram a encontrar compradores naquele tempo (os anos 1940 e 1950) em que a capital econômica da cidade vivia muito próxima da forma colonial de morar. O livro “João Batista Vilanova Artigas – Elementos para a Compreensão de um Caminho da Arquitetura Brasileira, 1938-1967”, de Miguel Antonio Buzzar, reúne fotos e textos sobre todos os edifícios do arquiteto no período e mostra porque cada um guarda, em suas soluções, lições fundamentais para que a cidade de São Paulo consumasse seu sonho de metrópole moderna. Único brasileiro a vencer o prêmio Pritzker, Paulo Mendes da Rocha também avalia a guinada técnica e social proposta por Artigas como fundamental para tudo o que aconteceu depois na arquitetura brasileira. “Quando em 1959, ele me convidou para ser seu assistente posso dizer que fiz meu segundo curso de arquitetura”, fala Mendes da Rocha, que, por sua vez, deu aula na mesma FAU para turmas de profissionais que, seguindo os princípios de racionalidade e economia de artifício do brutalismo, continuam levando adiante a herança de Artigas. É o caso de Vinicius Andrade, do escritório Andrade Morettin, vencedor do concurso para o projeto do que será o maior e mais moderno equipamento cultural da cidade, a nova sede do Instituto Moreira Salles na avenida Paulista, previsto para ficar pronto no ano que vem. “Ele é a base da base”, define Andrade. “Graças a Artigas, São Paulo entendeu a arquitetura como solução de problemas e não como gesto livre vindo de uma inspiração superior”, diz o arquiteto, referindo-se à “escola” de Oscar Niemeyer. Artigas não deixou uma obra numerosa. Mas o que ele queria dizer com sua arquitetura comprometida com a cidade ainda ressoa no que se ergue de melhor e mais importante em São Paulo.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

CULTURA-ABRE-IE.jpg

02.jpg
VANGUARDA
O edifício Louveira, em São Paulo, foi uma das primeiras habitações brasileiras a
abolir a hierarquia entre as áreas de serviço e sociais, razão de seus apartamentos
levarem muitos anos para serem vendidos. Hoje, são disputadíssimos

01.jpg

Fotos: Gabriel Chiarastelli/ Ag. Istoé; André Deak 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias