Depois de 16 dias de trekking nas montanhas do Nepal, na Ásia, saindo da cidade de Lukla até o campo base do Monte Everest, o mais alto do mundo, o analista de sistemas Rodrigo Melvin, 36 anos, e a médica Vanessa Ohswald, 33, se preparavam para receber uma massagem num spa em Thamel, região turística da capital, Katmandu. Era meio-dia do sábado 25. De repente, a sala de relaxamento foi invadida por um estrondo brutal e crescente, e tudo começou a chacoalhar. “Me levantei da maca, mas não conseguia parar em pé”, diz Vanessa. A cerca de 150 quilômetros dali, no vilarejo de Lobuche, os alpinistas Carlos Santalena, 28 anos, e José Eduardo Sartor Filho, 31, saíram correndo do alojamento onde estavam assim que sentiram os primeiros abalos de um terremoto de magnitude 7,8 na escala Richter. “Tive medo de morrer”, afirma Santalena. “Já peguei avalanche, caí em paredes verticais, mas o terremoto foi bem mais assustador.” O mesmo instinto de sobrevivência guiou o missionário cristão Edgard Garcia, 26 anos, para fora de uma casa de três andares onde contaria histórias bíblicas para crianças. “A sensação de dar um comando ao meu corpo e ver que ele não vale nada diante da natureza enfurecida foi a pior que já tive na vida”, diz.

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ESCOMBROS
Equipes de resgate buscam sobreviventes em Katmandu.
Acima, nepaleses improvisam baterias para carregar celulares

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Este país de 28 milhões de habitantes conheceu o pior terremoto em mais de 80 anos. O número de mortes passa de 5 mil e pode chegar a 10 mil, segundo o primeiro-ministro nepalês, Sushil Koirala. As equipes de salvamento têm enfrentado dificuldades para chegar às áreas mais remotas devido aos estragos causados em pontes e estradas. Nos cálculos da Organização das Nações Unidas (ONU), quase um terço da população foi atingida, sendo 1 milhão de crianças. Ao longo da semana, enquanto os tremores continuavam como réplicas do terremoto, episódios emocionantes de resgate se multiplicaram. Um bebê de quatro meses foi encontrado com vida na terça-feira 28 depois de passar três dias sozinho debaixo dos escombros de sua antiga casa, em Bhaktapur. Um homem de 28 anos sobreviveu 82 horas entre as ruínas de um prédio em Katmandu. Segundo ele, foi o impulso de beber a própria urina que o manteve vivo. Entre os desaparecidos está o nepalês Mahendra Oli, 43 anos, pai de Debendra Oli, um desenvolvedor de projetos de internet. Administrador de uma página no Facebook para ajudar as vítimas do terremoto, Debendra tem utilizado as redes sociais para tentar encontrar o ente querido. “Perdi amigos, parentes e colegas de trabalho”, disse à ISTOÉ. “Ainda espero que possa encontrar meu pai vivo, mas não imagino em qual estado ele estará.”

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Como manda a tradição hindu, religião majoritária no Nepal, os corpos encontrados estão sendo cremados e longas filas se formaram na frente de crematórios das regiões mais afetadas. O medo de novos desabamentos empurrou milhares de pessoas para fora de suas casas e hotéis em busca de espaços abertos, apesar das fortes chuvas da semana passada. O governo improvisou ao menos 16 acampamentos na capital. Neles, segundo a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras, as condições de saneamento são preocupantes. Os sanitários públicos estão transbordando, há escassez de latrinas e as pessoas estão coletando água da chuva. Quem pôde foi para o único aeroporto internacional, que, apesar de atrasos e rearranjos, reabriu no domingo 26 e manteve os voos programados. Com o restabelecimento da energia elétrica no Vale de Katmandu na quarta-feira 29 e a reabertura gradual do comércio, a maior preocupação dos sobreviventes era encontrar água potável. O receio é que ela esteja contaminada depois que tubos hidráulicos foram danificados pelo terremoto, o que poderia ajudar a proliferar doenças contagiosas.

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Um país pobre e pequeno como o Nepal precisa do socorro internacional para reduzir o número de vítimas. A economia nepalesa é altamente dependente do turismo e, de acordo com o Banco Mundial, o PIB per capita de US$ 694 é uma fração do índice do Brasil, que atinge US$ 11.208. Diante desse cenário, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Austrália doaram juntos mais de US$ 20 milhões. A ONU liberou US$ 15 milhões. As vizinhas China e Índia enviaram reforços para as equipes de resgate. Apesar de estar localizado numa região sujeita a terremotos, o Nepal é pouco preparado para essas situações. As construções são frágeis até em patrimônios históricos e culturais, como a Praça Darbar, em Patan, e o antigo palácio real Hanuman Dhoka, no centro de Katmandu, que ficaram totalmente destruídos. O relato dos brasileiros que estavam lá confirma a falta de preparo. O paulista Rodrigo Melvin, que já havia passado por terremotos e furacões no período em que morou nas Ilhas Cayman, no Caribe, foi quem deu a ideia de se proteger embaixo de um sofá no spa onde estava. “O pessoal achou estranho, mas, cinco minutos depois, todo mundo quis fazer o mesmo”, diz. “Nitidamente ninguém havia passado por isso, então organizei os outros sofás como se fosse um abrigo.”

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O custo total da reconstrução pode ultrapassar os US$ 5 bilhões. O desafio é enorme, sobretudo diante da debilidade das instituições políticas do país. Há sete anos, a centenária monarquia veio abaixo com o fim de um conflito civil que havia começado em 1996 e matou pelo menos 12 mil pessoas na terra onde se acredita que Buda nasceu. O acordo de paz culminou com a eleição de uma Assembleia Constituinte e o Nepal se tornou uma república democrática, com participação maior dos maoístas na sociedade e no poder. Mas isso não tornou o país mais estável. Desde 2008, houve sete primeiros-ministros diferentes e nenhum deles foi capaz de aprovar uma nova Constituição. O reflexo da desorganização política é sentido agora. Na quarta-feira 29, milhares de nepaleses se revoltaram contra a falta de assistência depois que o governo prometeu – e não entregou – ônibus especiais para evacuar a capital. Depois da tragédia, vem o caos.

Fotos: Omar Havana e Sunil Pradhan/Getty Images; Bernat Armangue/AP Photo; Prakash Mathema/AFP,Adnan Abidi/Reuters; Wally Wantana/AP Photo; Wltaf Wadri/AP Photo; Wrq. pessoal