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Após 70 anos da morte de Mário de Andrade será publicado um romance inédito do escritor. A editora de cultura da ISTOÉ, Ana Weiss, traz mais informações sobre essa obra que estava guardada há sete décadas.

Figura central do Modernismo, Mário de Andrade foi poeta, romancista, pesquisador, folclorista, crítico de música ou, como ele preferia, jornalista. Faz 70 anos que o autor de “Macunaíma” morreu. A data provoca um terremoto no mercado editorial, não tanto pela efeméride, mas pelo que ela representa: a entrada da obra do intelectual para o domínio público, o que passa a valer a partir de 2016. Por isso este ano será tomado por uma avalanche de publicações, lançamentos e ações como a transformação da biblioteca paulistana que leva seu nome em museu público. De toda a programação, dois lançamentos colocam a vida e a obra do herói modernista sob nova perspectiva. A primeira, e mais importante, é a publicação do romance inédito “Café”, romance que o escritor tinha como seu maior projeto literário e que nunca chegou a concluir. A segunda, o belo perfil biográfico “Eu Sou Trezentos”, escrito por Eduardo Jardim.

“Café” conta a história de Chico Antônio, o coqueiro norte-rio-grandense cuja criação musical muito impressionou Mário de Andrade durante suas viagem às regiões Norte e Nordeste registradas no volume “Turista Aprendiz”.

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PERFIL
Retrato do escritor realizado por Lasar Segall em 1927

No romance, a trajetória do ribeirinho é completamente ficcional e serve de fio para narrar a decadência do ciclo cafeeiro e a deterioração das relações sociais decorrentes da crise. Ao lado dos migrantes nordestinos, ajudam a compor a trama os barões, muitos deles inspirados em figuras com quem o autor conviveu. Olívia Guedes Penteado, filha de latinfundiários da cafeicultura em Mogi-Mirim, interior paulista, foi uma das companheiras das excursões realizadas por Mário de Andrade no final dos anos 1920.

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A amiga parece ter contribuído com sua personalidade para vários aspectos das representantes da nobreza falida no romance inacabado.
A editora Nova Fronteira, detentora de 95% da obra do escritor, pretende guardar todas as informações sobre o livro em segredo até a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em julho, que homenageará Mário de Andrade, fazendo vitrine para releituras de obras já conhecidas, como uma versão em quadrinhos de “Macunaíma”. Mas o conteúdo que os editores tiveram de costurar para dar origem ao livro inédito está registrado em pesquisas como a de Tatiana Longo Figueiredo, que reúne manuscritos, datiloscritos e uma infinidade de anotações em papeis de rascunho do projeto, que o autor pretendia, segundo carta enviada ao amigo Manuel Bandeira, que alcançasse 800 páginas. Segundo levantamento da e studiosa, Mário de Andrade não só reuniria amigos e conhecidos no épico sobre a crise do café, como propôs ele mesmo como um personagem. No livro, que primeiramente se chamaria “Vento”, ele faz referência a si mesmo como “um moço inteligente, mas perdido pelo Modernismo”.

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Essa inconformidade com os rumos que levou o movimento fundado por ele transparece também na nova biografia, que sai pela Edições de Janeiro. O autor Eduardo Jardim mostra as constantes flutuações de ânimo do intelectual com a distância que a produção cultural tomou da política brasileira, sobretudo no período entre a Semana de 22 e a deflagração da Segunda Guerra Mundial. Momentos de depressão e reavaliação da própria trajetória revelam que o excesso de autocrítica de Mario de Andrade lhe rendeu contribuições valiosíssimas para a cultura brasileira na mesma medida que consumiu uma saúde não muito sólida. Por fim, o livro deixa claro que as questões amorosas do criador do “Prefácio Interessantíssimo”, texto inaugural do Movimento Modernista, não eram exatamente um problema para ele, como fizeram crer as cartas mantidas fechadas pela família e pelos amigos por 70 anos, hoje sob a guarda do Instituto de Estudos Brasileiros, da Universidade de São Paulo (IEB-USP).  

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