A camisa branca com uma cruz na altura do peito é parte do protocolo para facilitar a mira dos doze atiradores que integram o processo de fuzilamento indonésio. Não usar a venda nos olhos, porém, foi uma opção do brasileiro Rodrigo Muxfeldt Gularte, 42 anos, executado na terça-feira 28, por volta de 00h30 no horário local na prisão de Nusakambangan, a 400 quilômetros da capital Jacarta. Desde que assumiu o governo, em janeiro deste ano, o presidente Joko Widodo, um político de perfil populista, trata de endurecer sua política contra o tráfico de drogas, utilizando para isso um dos mecanismos legais mais cruéis do direito internacional, a pena capital. Widodo alega que conter o comércio de substâncias ilícitas é uma emergência nacional. Entretanto, um levantamento da Agência Nacional de Narcóticos revelou que em novembro de 2014, o país contabilizava 4 milhões de usuários de drogas. Até o final desse ano, esse número deve chegar a 5,8 milhões. “É uma legislação contestável do ponto de vista da proporcionalidade da pena”, diz Nívio Nascimento, oficial do Programa da Unidade de Estado de Direito do Escritório das Nações Unidas sobre Droga e Crime da ONU. “Não há evidências de que leis muito duras resultem em sociedades pacíficas, nem que reduzam o tráfico.”

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Gularte foi condenado à morte em 2005 ao entrar no país asiático com seis quilos de cocaína. Desde então, a família travou uma batalha para convencer as autoridades a reverter sua pena após ter sido diagnosticado com esquizofrenia. Os laudos dos exames, porém, jamais foram divulgados e a execução não foi adiada. Após o fuzilamento, a defesa do brasileiro afirmouque a Indonésia nunca será capaz de redimir sua falha com relação aos direitos humanos e as pessoas com doenças mentais. Isso porque ainda na terça-feira 28, a Justiça da Indonésia negou o último recurso que pedia à Corte Administrativa de Jacarta a revisão da decisão de Widodo de negar o pedido de clemência do governo brasileiro.

Estima-se que mais de 130 presos aguardem nos corredores da morte na Indonésia. “Ocupa-se a máquina judiciária em função da ultra criminalização do tráfico ao invés de investir em tratamentos para usuários”, diz Átila Roque, diretor da Anistia Internacional. Em tese, a lei indonésia proíbe execuções de pessoas com doenças mentais. “O país foi contra a própria legislação ao não respeitar as condições psiquiátricas de Rodrigo e adotou uma posição inflexível do ponto de vista diplomático.”

Fuzilado ao lado de mais sete pessoas, o brasileiro havia pedido à família para ser enterrado no Brasil. Momentos após a execução, seu corpo foi reconhecido pelo encarregado de negócios da embaixada do Brasil em Jacarta, Leonardo Monteiro. Segundo uma testemunha que acompanhou o fuzilamento, os condenados morreram com “força e dignidade” e encararam o pelotão entoando canções religiosas, como o hino protestante “Amazing Grace”. Na quarta-feira 29, a prima do brasileiro, Angelita Muxfeldt, que está na Indonésia, participou de uma cerimônia religiosa diante de um caixão branco com o corpo de Gularte, que deve ser cremado no país asiático. As cinzas serão trazidas para Curitiba.

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O fuzilamento provocou comoção em muitos países que não adotam a pena de morte. O último relatório da Anistia Internacional mostrou que 41 países aplicavam efetivamente a pena em 1995 e em 2014 esse número caiu para 22. Nas Nações Unidas, 117 países votaram favoravelmente a uma moratória para o tema da pena de morte – o que significa pedir a suspensão da aplicação do método para que se criem alternativas.

Ao contrário do que pretende o presidente Widodo, acredita-se que medidas como a pena de morte valorizem o poderoso mercado do tráfico no país. “É um negócio de alto risco em que os representantes do sistema de segurança têm um poder de negociação grande, já que podem pedir um alto valor de propina em troca da vida dos traficantes”, diz Roque, da Anistia Internacional. “Esse movimento aumenta a porosidade do sistema de justiça e favorece a corrupção.”

Um relatório da ONG Penal Reform International revela que o índice de violência se mostrou mais elevado em estados americanos que aplicam a pena de morte. No Canadá, a taxa de homicídios caiu 44% desde que a pena capital foi abolida, em 1975. Em Brasília, o governo afirmou que a execução do segundo brasileiro, depois de Marco Archer Cardoso Moreira, em janeiro, constituiu um fato grave no âmbito das relações entre os dois países e fortalece a disposição brasileira de levar adiante nos organismos internacionais os esforços pela abolição da pena capital.

Fotos: Nyimas Laula, Darren Whiteside – REUTERS