O BNDES sempre foi considerado uma caixa-preta indevassável. Apesar dos reiterados pedidos da oposição no Congresso, a instituição nunca informou para quem e em que circunstâncias foram concedidos os empréstimos bilionários a juros camaradas desde 2003. Nos últimos dias, no entanto, a força-tarefa da Lava Jato concluiu um levantamento que pode fazer com que os dirigentes do banco sejam obrigados a dar explicações. O levantamento revela que o BNDES teria destinado a Petrobras ao menos R$ 16,6 bilhões para financiar obras – hoje investigadas no esquema do Petrolão – que já apresentavam irregularidades graves antes mesmo da liberação do dinheiro.

É o caso do empréstimo de R$ 9,4 bilhões aprovado pelo BNDES em julho de 2009 para a Refinaria Abreu e Lima (Rnest). Um ano antes, um relatório de auditoria do TCU havia apontado a existência de “irregularidades graves”, entre as quais deficiência do projeto básico, superfaturamento e até alteração das condições contratuais sem termo aditivo. O superfaturamento foi confirmado numa segunda inspeção do tribunal e endossado pelo plenário do TCU em abril de 2009, três meses antes da liberação da verba. O sobrepreço teria atingido quase R$ 100 milhões só nas atividades de terraplenagem. Já os serviços de drenagem de areia apresentaram preços 1267% acima do negociado inicialmente pela estatal com o consórcio de empreiteiras responsáveis pela obra, investigada pela Lava Jato por envolvimento no Petrolão. Por conta das irregularidades, o TCU chegou a incluir a refinaria Abreu e Lima na lista negra de empreendimentos com recomendação de suspensão de repasses públicos. Na ocasião, o presidente Lula desconsiderou os alertas do tribunal retirando a obra da relação. O BNDES diz que na hora de liberar o dinheiro “adotou medidas preventivas em linha com a posição do TCU”, mas não revelou quais iniciativas foram tomadas.

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REFINODUTO
Dinheiro para a construção das refinarias Abreu e Lima, em Pernambuco (acima),
e Getúlio Vargas, no Paraná, foi desviado para pagamento de propina

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Assim como Abreu e Lima, a Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar) também foi incluída na lista negra do TCU em setembro de 2008. Em julho de 2012, porém, a obra foi beneficiada junto com outras três refinarias por um financiamento do BNDES de R$ 7,1 bilhões. Em 2011, um ano antes da aprovação do empréstimo, o TCU havia determinado novamente a suspensão dos repasses devido a outros problemas no contrato. Na ocasião, o tribunal alertou para o pagamento de “aditivos por serviços não previstos ou não prestados”. “Em outras palavras, o projeto licitado é deficiente ou a empresa executora não tem conhecimento suficiente na área para identificar eventuais falhas do projeto, propor correções ou assumir riscos”, disse o TCU.

O empréstimo que beneficiou a Repar também contemplou as obras de modernização das refinarias Gabriel Passos (Regap), Paulínia (Replan) e Duque de Caxias (Reduc). Esses empreendimentos também estão na mira da Lava Jato. Segundo o delator Pedro Barusco, ex-gerente de Engenharia da Petrobras, o sobrepreço identificado nas obras dessas refinarias serviu para pagamentos de propina. Questionado pela reportagem, o BNDES garante que não tomou conhecimento de “nenhuma liberação em desacordo com as observações feitas pelo Tribunal”. No caso específico da Repar, para a qual o BNDES liberou parte dos R$ 7,1 bilhões, a Lava Jato encontrou indícios de que ao menos R$ 35,8 milhões foram usados para pagar propina. Ao final, a obra consumiu R$ 7,5 bilhões. O levantamento dará subsídio ao MPF para pedir ao juiz Sérgio Moro a quebra de sigilo dessas operações de crédito, assim como cópias de todos os contratos de financiamento e atas deliberativas do conselho do BNDES que aprovou os empréstimos. Para os investigadores, é fundamental separar o joio do trigo, ou seja, as operações regulares voltadas ao desenvolvimento econômico do País daquelas destinadas a atender interesses da quadrilha que drenou os cofres da Petrobras. O líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno, que luta pela instauração da CPI do BNDES, quer convocar novamente Luciano Coutinho, presidente do banco, a prestar esclarecimentos. “Com mais informações podemos pressioná-lo, já que ele tem se negado a colaborar”, diz.

Além das refinarias, a Lava Jato suspeita de outros contratos que receberam empréstimos do BNDES. Como o de R$ 17,5 bilhões destinados para compras de navios-sonda, plataformas e petroleiros. O primeiro financiamento de R$ 9,8 bilhões foi liberado pelo BNDES em 2013 para a Petrobras Netherlands, filial da estatal na Holanda. Ela aparece 12 vezes na planilha apreendida com o doleiro Alberto Youssef. Outros R$ 6,3 bilhões foram destinados à Transpetro para a construção de 26 petroleiros no Estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco, cujas obras também estão sendo investigadas pela Lava Jato.

Fotos: Ag. Petrobras; Rafael Andrade/Folha Imagem