O sol já quase se punha em Brasília, na tarde de terça-feira 14, quando o presidente do PSDB, senador Aécio Neves – trajando terno grafite e gravata de mesma cor estampada com losangos brancos – adentrou ao plenário 11, na ala das Comissões da Câmara. Realizava-se ali, um salão de 120 metros quadrados, o encontro da bancada do PSDB. Pouco antes do encerramento da reunião, o tucano resolveu submeter os 40 parlamentares presentes a uma consulta. “Quem aqui é a favor do impeachment da presidente Dilma?”. O tema vinha sendo considerado tabu na legenda desde 2006, quando no auge do mensalão a economia ia de vento em popa e o então presidente Lula ameaçou insuflar as massas em defesa de seu mandato. Àquela altura, o PSDB, acompanhado dos demais partidos de oposição, decidiu não levar o assunto adiante, sob o temor da reação das ruas, sindicatos e organizações cooptadas pelo PT. Agora, o cenário é distinto. Mais de 60% dos brasileiros são favoráveis ao impeachment, e o afastamento da presidente virou palavra de ordem nas manifestações que tomaram as principais avenidas do País este ano. Ciente dessa nova atmosfera, a ampla maioria dos tucanos ergueu as mãos, respondendo positivamente à questão levantada por Aécio. “Então, v’ambora!”, convocou o senador mineiro com as duas mãos espalmadas sobre a mesa.

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OFENSIVA
Em encontro com os presidentes de quatro partidos da oposição, o senador
Aécio Neves (ao centro) combina as ações destinadas a responsabilizar Dilma

O referendo informal puxado por Aécio sacramentou a mudança de estratégia da oposição em relação à crise do Petrolão e ao impeachment de Dilma. Aécio havia antecipado sua posição em três telefonemas disparados entre a sexta-feira 10 e o domingo 12 para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na conversa, o senador, além de anunciar a mudança no tom, deixou claro a FHC que não participaria de um encontro com o vice-presidente, Michel Temer, alçado a novo articulador político do governo. Em outra ligação, passou a questionar o próprio encontro. Argumentou que soaria contraditório e passaria uma leitura dúbia no momento em que a ofensiva contra Dilma se impunha. Demovido da ideia por Aécio, FHC cancelou a reunião agendada para terça-feira 14.

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A reunião da bancada do PSDB marcou uma inflexão no comportamento de toda a oposição. No dia seguinte, quarta-feira 15, um bloco de partidos formado pelo PSDB, DEM, PPS, PV e SDD resolveu se unir para colocar o impeachment definitivamente na pauta. O encontro foi embalado pela prisão de mais um tesoureiro petista, João Vaccari Neto, que fez com que o escândalo na Petrobras chegasse mais próximo da presidente Dilma (leia reportagem na pág. 30). Para os oposicionistas, a denúncia de lavagem de recursos desviados da Petrobras numa gráfica ligada ao PT e que foi contratada pela campanha de Dilma em 2014 pode ser o “Fiat Elba” do atual governo. Como se sabe, em 1992, o ex-presidente Collor foi apeado do poder depois de ter sido alvo de um impeachment deflagrado a partir de descoberta da compra de um Fiat Elba com dinheiro do esquema PC Farias. O que a oposição está à procura agora é justamente de um fato – político ou jurídico – capaz de detonar um processo contra Dilma. “O PSDB discute internamente e de forma muita franca a possibilidade de ingressar com um pedido de impeachment. Estamos subindo um degrau de cada vez”, disse Aécio. “Os fatos se impõem. Chegou a hora de colocar o impeachment e a investigação de Dilma para valer na pauta. A oposição está unida”, fez coro o presidente do DEM, José Agripino Maia.

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AÇÃO PENAL
Parecer de Reale Jr. com base nas pedaladas fiscais pode
levar Dilma a ter de responder no STF por crime comum

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Na tentativa de embasar um pedido de afastamento da presidente, os dirigentes partidários atuarão em outras três frentes. No campo jurídico, eles aguardam para esta semana um parecer encomendado ao jurista Miguel Reale Jr. que pode enquadrar Dilma no crime de responsabilidade, em razão das chamadas “pedaladas fiscais” do governo em 2014. O documento pode ensejar uma ação penal contra a presidente por crime comum. Nesse caso, o processo seria remetido ao STF. Numa outra ponta, uma comissão composta por cinco parlamentares irá a Londres com o objetivo de ouvir o ex-diretor da empresa SBM Offshore, Jonathan David Taylor. O executivo acusa a Controladoria-Geral da União (CGU) de ter abafado uma denúncia de pagamento de US$ 139 milhões em propinas por meio de contratos da Petrobras para favorecer a candidatura de Dilma. Para Aécio, o fato é extremamente grave e, caso comprovado, indica que a CGU, principal órgão de combate à corrupção do governo, cometeu crime de prevaricação. Na seara política, a oposição se aproxima dos líderes dos protestos e encampa no Congresso projetos que mostram sintonia com as ruas e, ao mesmo tempo, podem desgastar o governo, como a proposta de redução tributária e de redução da maioridade penal. Na quarta-feira 15, os oposicionistas estiveram em Brasília ao lado dos integrantes da Aliança Nacional de Movimentos, que reúne 26 diferentes grupos de manifestantes.

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Mas é o parecer de Reale Jr. que mais gera expectativa na oposição. Ele se baseia num contundente relatório do Ministério Público junto ao TCU aprovado por unanimidade na última semana no pleno do tribunal. “Além de os citados atrasos nos repasses de recursos federais estarem contribuindo para maquiar as contas públicas, no mecanismo conhecido como ‘pedaladas fiscais’, em muitos dos casos analisados também está ocorrendo patente violação a dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal”, diz o documento. Para o TCU, o governo deixou de repassar ao menos R$ 40 bilhões de verbas ao Banco do Brasil, Caixa e BNDES para pagamentos de seguro-desemprego, e recursos do Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família e crédito agrícola. Com isso, as instituições financeiras tiveram de bancar as despesas com recursos próprios, o que constitui um empréstimo. A manobra reduziu artificialmente o déficit do governo. O ministro Vital do Rego referiu-se à operação como um uso do “cheque especial” sem autorização. Para piorar ainda mais a situação do governo, é grande a possibilidade de os ministros do tribunal pedirem ao Congresso a reprovação das contas de 2014 do governo, fato inédito na história do Brasil. Neste caso, Dilma teria de ser afastada do cargo para responder por crime de responsabilidade.

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RECUO
FHC cancelou encontro com o vice-presidente Michel Temer
após receber telefonemas de Aécio Neves

Questionado se, eventualmente, a manifestação do TCU sobre as pedaladas fiscais poderia levar a uma ação de impeachment ou mesmo de crime comum, o jurista Miguel Reale Jr. respondeu que “as hipóteses estão em estudo”. Uma ação penal contra a presidente fundamentada por um jurista respeitado ou até mesmo a rejeição das contas do governo Dilma são os elementos detonadores aguardados pela oposição para colocar em marcha o dispositivo constitucional que faltou em 2006.

“DILMA ESTÁ MAIS FRÁGIL QUE LULA EM 2006”

Em entrevista à ISTOÉ, o senador Aloysio Nunes Ferreira diz que “não houve indulgência da oposição” em 2006, quando decidiu não abrir processo de impeachment contra Lula. Para ele, hoje, a presidente Dilma Rousseff está mais vulnerável do que o antecessor.

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ISTOÉ – Na opinião do senhor, “as pedaladas fiscais” e o caso da CGU respaldam um pedido de impeachment ou abertura de investigação do STF por crime comum?
Aloysio Nunes Ferreira –
É exatamente essa hipótese, a da responsabilização por crime comum, que as lideranças estão estudando com a colaboração de um dos grandes juristas brasileiros. O objetivo é analisar o enquadramento das condutas da presidente, dolosas ou culposas, tipificadas no Código Penal e na Lei dos Crimes contra a Responsabilidade Fiscal.

ISTOÉ – Em 2005, no auge do mensalão, a oposição não encampou pedidos de investigação direta ou afastamento do presidente Lula. Vocês se arrependem? O que torna o contexto atual diferente?
Aloysio Nunes –
Na época do mensalão, o presidente Lula gozava de forte popularidade e de amplo apoio congressual. A economia ia bem, o que gerava um clima de otimismo na opinião pública. Não havia condições políticas para se obter o voto favorável de 2/3 dos congressistas para o afastamento. Não houve indulgência da oposição, mas a constatação de uma realidade política incontornável. Hoje, a situação política da presidente Dilma é dramaticamente mais frágil do que a de Lula em 2006.
Josie Jerônimo

Fotos: George Gianni/PSDB; Silvia Costanti/Folhapress, Alexssandro Loyola; Pedro França; Rogério Albuquerque/Ag. Isoté 



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