“O programa das UPPs é a política de segurança mais importante do Rio de Janeiro dos últimos 30 anos. Em 2012, pela primeira vez, a taxa de homicídio do Estado ficou abaixo da taxa nacional, e houve um tempo que era três vezes maior.” A avaliação da cientista social Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, compactuada pela maioria dos especialistas da área, deve ser levada em conta quando se analisa o gargalo pelo qual o projeto Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), iniciado em 2008, passa atualmente. Na quinta-feira 2, o menino Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, morreu atingido por uma bala na cabeça quando brincava na porta de casa, na favela Nova Brasília, uma das dezoito que compõem o Complexo do Alemão, na zona norte do Rio. Em depoimento à Divisão de Homicídios, um soldado disse acreditar que o disparo tenha partido de sua arma. No dia anterior, na mesma comunidade, foi a vez da dona de casa Elisabeth Alves de Moura Francisco, de 41 anos, falecer após ser baleada na boca dentro da própria residência. Somente na semana passada, outras cinco pessoas morreram, além de Eduardo e Elisabeth, porque estavam no meio de uma guerra sem fim entre policiais e bandidos nos morros cariocas.

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Especialistas ouvidos por ISTOÉ analisam a atual situação crítica de sete entre as 38 UPPs já implantadas, e apontam ações para recuperação, como submeter a treinamento específico o policial da UPP, recuperar a confiança dos moradores das comunidades na polícia e oferecer melhores condições de trabalho, além de iniciativas sociais, como implantação de creches, escolas e hospitais dentro das favelas. “Hoje, a polícia está super tensa e o morador, apavorado. É preciso diálogo, contato. Claro que agora isso não é possível no Alemão e nem na Rocinha (territórios conflagrados)”, diz o sociólogo Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “Mas não dá para jogar por água abaixo o projeto porque está em uma situação crítica.”

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Diretor do Instituto de Ensinos Religiosos (ISER), Pedro Strozemberg alerta para a necessidade da redução do enfrentamento nas comunidades. “UPP não é para confronto, é para resolver conflito. Falta a instância do entendimento”, afirma. Algumas iniciativas começaram a ser tomadas, como a colocação de uma cabine blindada em Nova Brasília, uma das mais violentas do Complexo do Alemão, o treinamento dos 980 policias das UPPs que atuam no Alemão — por enquanto, pouco mais de 300 — e a avaliação psicológica da tropa. O comandante geral da PM, coronel Alberto Pinheiro Neto pede para que se entenda o projeto das UPPs como algo “em maturação, em construção”. E reconhece: “Observamos um desequilíbrio do processo de pacificação em algumas áreas.”

Segundo disse o governador Luiz Fernando Pezão à ISTOÉ, a população aprova a presença policial nas comunidades. “Recebi hoje hoje (quinta-feira 9) um relatório apontando que a população começa a acolher melhor o reforço do policiamento. Estamos completando uma semana sem tiro no Alemão.” À lista de iniciativas necessárias para tentar diminuir a violência nas favelas, o governador acrescenta uma que considera fundamental. “A ajuda do governo federal para cercar as rodovias federais. A gente não fabrica AK-47 aqui. De onde esses fuzis vêm?”

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Informações como a de que a favela Dona Marta, em Botafogo, na zona sul, está há cinco anos sem registro de óbito, ou que, em fevereiro o Rio teve a menor taxa de homicídio em áreas pacificadas, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), são bastante animadoras, mas não ajudam a diminuir o sofrimento de quem perde parentes vítimas de violência. A batalha para reduzir, ou, quem sabe, acabar, com a ação assassina de traficantes ou milicianos em morros de grande densidade demográfica, como o Alemão e a Rocinha, esta em São Conrado, na zona sul — que têm mais de 100 mil habitantes cada — deverá levar mais uns cinco ou dez anos, como estima Pezão. O projeto das UPPs começou com o objetivo de reduzir a violência e recuperar o território das mãos do chamado poder paralelo. Como disse a cientista social Silvia Ramos, trocou “a lógica e o discurso fracassado da guerra por um discurso de proximidade.” O desafio agora é aprimorar essa proposta.

Colaborou: Helena Borges
Fotos: Marcelo Fonseca/Folhapress; Márcio Alves/Ag.O Globo; CHRISTOPHE SIMON/AFP; FÁBIO GONÇALVES/AG. O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO