A médica Camila Freire da Silva, 26 anos, caminha com desenvoltura e tranquilidade pela favela de Paraisópolis, zona sul de São Paulo na terça-feira 3. Mas ainda se lembra do choque que viveu há um ano e seis meses, quando saiu de Porto Velho, em Rondônia, para atuar na Unidade Básica de Saúde da localidade paulistana. Camila deixou a cidade-natal para se dedicar à saúde básica pelo programa do governo federal Mais Médicos. Desde então, uma vez por semana, ela visita pacientes que não podem se locomover e os atende em suas casas, acompanhada de uma agente de saúde. A jovem foi selecionada quando a iniciativa sofria grande rejeição na comunidade médica brasileira. “No começo, senti um pouco de preconceito por parte dos colegas, mas as pessoas daqui me aceitaram muito bem”, diz. 

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VISITA
Camila Freire da Silva, de Rondônia, em atendimento
domiciliar na favela de Paraisópolis, São Paulo

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Com duas residências no currículo, Kátia Marquinis deixou a 
rede privada para atender pacientes pelo programa

Diferentemente da primeira fase, em 2013, que reuniu pouco mais de mil médicos brasileiros, o segundo edital, lançado em janeiro, possui 92% das vagas preenchidas por profissionais formados no País. “O Mais Médicos está mudando seu perfil e se transformando em um programa de contratação de brasileiros”, diz Mário Scheffer, coordenador do estudo Demografia Médica no Brasil e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Segundo o Ministério da Saúde, das 4.146 vagas abertas este ano, 3.823 já foram preenchidas. “É muito provável que a participação dos médicos estrangeiros diminua e eles passem a atuar apenas nos rincões e aldeias indígenas”, afirmou à ISTOÉ o ministro da Saúde, Arthur Chioro. Os cubanos só podem se inscrever numa terceira etapa, após os demais. Em contrapartida, auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que 49% das primeiras cidades que receberam a iniciativa dispensaram seus médicos quando os bolsistas chegaram.

Um dos fatores que contribuiu para despertar o interesse dos médicos brasileiros nesta nova fase foi a integração com o Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab), iniciativa federal que já busca levar profissionais para regiões carentes e concede aos participantes o benefício de 10% de pontuação em provas de residência. “Os municípios não terão de aderir a dois programas diferentes e contarão com uma maior quantidade de médicos atuando nos territórios”, afirma Heider Pinto, secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde. Antes da unificação, os médicos inscritos no Provab atuavam na região escolhida por apenas um ano – hoje os profissionais podem permanecer por mais três. Para Scheffer, o bônus para a residência incentivou a adesão de profissionais brasileiros. “No início, o Provab enfrentou dificuldade de implantação nas universidades, mas hoje vem se mostrando uma política acertada”, diz. Por outro lado, o especialista afirma que a falta de interesse dos médicos em permanecer nas regiões inóspitas ainda é um problema a ser solucionado. “A maioria ficará por conta do benefício, com isso poderá haver uma alta rotatividade”, afirma.

O médico Danilo Lobo Ramos, 30 anos, acabou se mudar para a cidade de Livramento de Nossa Senhora, com 48 mil habitantes, na Chapada Diamantina, a 600 quilômetros de Salvador (BA). Formado pela Universidade Federal da Bahia, ele se inscreveu na segunda fase do Mais Médicos motivado pela bolsa e a oportunidade de especialização. A nova rotina inclui viver em uma região sem sinal de celular, sem internet e percorrer 48 quilômetros de estrada de terra diariamente até o posto de saúde em que trabalha. “Meu primeiro dia de trabalho foi muito difícil, a população é muito pobre, atendi muitas crianças desnutridas, vou ter um grande desafio pela frente”, diz. O médico conta que decidiu abrir mão da residência para se dedicar à medicina da família. “Atendemos cerca de 80% dos problemas da população e criamos um vínculo com os pacientes, muito diferente das outras especialidades”, afirma.

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A meta do governo é que o Brasil chegue a 2,7 médicos por mil habitantes até 2026. Atraída pelos desafios da saúde comunitária, a médica Kátia Regina Marquinis, 40 anos, atua há um ano e seis meses na Unidade Básica da Saúde Batistini, em São Bernardo do Campo, São Paulo. Com uma experiência de 10 anos, residência em cardiologia e oftalmologia no currículo, ela deixou a iniciativa privada para trabalhar no Mais Médicos. Kátia atende uma média de 30 pacientes por dia, principalmente casos de doenças crônicas, diabetes, hipertensão e transtornos mentais. “Comecei a pensar que médicos não têm contato com as pessoas, não as chamam pelo nome”, diz. “E às vezes, a conversa com o paciente é o melhor diagnóstico.” 


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