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LUTO
O surfista Ricardo dos Santos, que participava da elite do
surfe mundial, foi baleado por um policial militar na segunda-feira 19

No Brasil, a pena de morte não encontra nenhum amparo. O direito à vida, no entanto, é constantemente agredido por agentes do Estado, que matam indiscriminadamente e não é raro atingir inocentes. Foi o que aconteceu na segunda-feira 19, quando o surfista Ricardo dos Santos, o Ricardinho, foi baleado, após uma discussão, pelo policial militar em férias Luis Paulo Mota Brentano, 25 anos, na praia da Guarda do Embaú, a 50 km de Florianópolis (SC). O jovem morreu no dia seguinte. A polícia tem duas versões para o caso: a de que o PM teria agido em legítima defesa e a de que ele atirou sem motivo. O resultado de um laudo divulgado na quarta-feira 22 prova que Ricardo levou um tiro nas costas e dois na lateral do corpo, mesmo assim a defesa alega que as balas foram disparadas apenas para “assustar” o jovem. Muito abalada, a mãe de Ricardo, Luciane dos Santos, expôs seu desespero com a trágica perda. “Traz ele de volta, por favor”, dizia. Depois, afirmou que irá lutar por justiça.

O mundo do surfe, do qual Ricardo fazia parte, também demonstrou sua dor. Kelly Slater, 11 vezes campeão mundial, se manifestou nas redes sociais dizendo estar horrorizado. Gabriel Medina, atual campeão, mostrou sua tristeza publicando uma foto do amigo no Instagram. Na praia de Pipeline, no Havaí, surfistas fizeram homenagem ao colega morto abrindo um círculo no mar. E vários se deslocaram para Santa Catarina para o enterro, na quarta-feira 21.

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CRIME
Enterro de Ricardo em Paulo Lopes, na Grande Florianópolis,
gerou comoção entre familiares e amigos.

A tragédia começou a se desenhar na manhã da segunda-feira 19. Ricardo e o avô Nicolau dos Santos estavam prontos para mexer no encanamento da casa em que viviam quando pediram a um motorista que ele mudasse seu veículo estacionado de lugar, pois estava parado em cima de um cano. Essa versão é confirmada pelo tio do surfista, Mauro da Silva, 35 anos, que estava no local e afirma ter ouvido o policial Brentano dizer: “Quem manda aqui somos nós”. “Vi que a placa do carro era de Joinville, que eles não eram da Guarda e pedi para saírem”, afirma Mauro da Silva. Tanto defesa quanto acusação relatam que, nesse momento, houve uma discussão entre Ricardo e o policial. Segundo o advogado Murilo Moraes, que assessora a defesa de Brentano, o surfista teria usado um facão para intimidar o PM. A polícia, porém, não encontrou nenhum objeto no local, apenas a arma usada pelo policial. Essa informação ainda está sendo investigada. Depois da discussão, Ricardo subiu até a caixa d’água da casa e Brentano disse que tiraria o carro dali. Só depois de voltar à rua, foi baleado.

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O policial militar Luis Paulo Mota Brentano
é preso sob a acusação de matar Ricardo

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Segundo o delegado Marcelo Arruda, responsável pelo caso, o próximo passo é fazer uma reconstituição do crime, o que deve ocorrer nesta semana. As investigações podem durar até o início de fevereiro. Além do inquérito civil, Brentano responde também a um inquérito policial militar e será julgado dentro da corporação. Mesmo o acusado tendo alegado legítima defesa, a própria Polícia Militar de Santa Catarina já criticou a atuação do PM e o uso da arma em uma situação desnecessária. Com o laudo apontando que um dos tiros foi dado nas costas de Ricardo, o argumento fica ainda mais enfraquecido. Segundo o advogado Murilo Moraes, a defesa ainda não teve acesso a esse laudo, por isso prefere não comentar a informação. “O que dizemos é que ele disparou os tiros para assustar Ricardo, justamente para se defender.”

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HOMENAGEM
No Havaí, surfistas se unem em círculo no mar e
escrevem em prancha, em memória do colega assassinado (abaixo)

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Inconsolável, a família de Ricardo pede justiça. “Vi tudo acontecer na minha frente. Foi um ato desnecessário e imperdoável”, afirma o tio, Mauro da Silva. Segundo ele, o luto é tão grande que os estabelecimentos da praia fecharam, mesmo com o lugar tomado por turistas. O coronel Paulo Henrique Hemm, comandante-geral da PM de Santa Catarina, condena a conduta de Brentano e afirma que, ao final do inquérito, ele será expulso da corporação. O PM já respondeu a outros dois processos na Justiça: em um foi absolvido e no outro o caso foi arquivado. Para Silva, a punição também pode servir de exemplo a outros policiais militares que se sentem acobertados de crimes com o argumento de legítima defesa. “Só queremos que essa pessoa pague pelo que fez. Ricardo era nosso herói.”

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Fotos: Leo Cardoso / Ag. RBS/Folhapress; Guto Kuerten/Ag. RBS/Folhapress; Ricardo dos Santos  


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