Karl Marx não era um sujeito exatamente metódico. Autor de uma obra que definiu os rumos da economia política no planeta, ele provavelmente teria caído no esquecimento logo depois de morrer em 1883, ou ficaria restrito aos alemães e franceses que conheceram seus primeiros trabalhos publicados. Foi Friedrich Engels quem recolheu os calhamaços desorganizados do colega e os transformou no livro de três tomos que conhecemos como “O Capital”.

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PUPILO X MESTRE
Marx deixou o segundo volume de "O Capital" de lado para traduzir o primeiro.
Engels, além de organizar o pensamento do parceiro, acrescentou pontos
de vista com os quais se acredita que Marx não compartilhava

Marx era um ativista político, jornalista e pai de crianças geradas dentro e de fora do casamento quando começou o seu grande projeto teórico. Engels foi o mais dedicado de seus discípulos; juntos eles assinaram o célebre “Manifesto Comunista”, em 1848. O historiador Jonathan Sperber, principal biógrafo de Marx, conta que por muito pouco as provas do livro que alimentou a revolução socialista ficaram para sempre nas gavetas do apartamento em Bruxelas onde o revolucionário o finalizou, com muito atraso. Engles, bem antes da morte do camarada, era fundamental para que os textos do mestre ganhassem as ruas. Um trabalho de 20 anos dos pesquisadores da fundação Marx-Engels-Gesamtausgabe (Mega) resgatou textos inéditos deixados de fora da edição póstuma de “O Capital”. Eles agora ganham páginas no “Livro II”, que está sendo lançado no Brasil pela Editora Boitempo como “O Capital II”. Ou seja, pela primeira vez sai em livro e no Brasil uma parte importante do pensamento de Marx, que ficou fora das edições anteriores em respeito à opção de Engels, seu editor. Na introdução à edição alemã, os organizadores dizem que a lacuna – referente às teorias sobre circulação de bens – deve-se a um entendimento diferente dos dois sobre a evolução capitalista, mas também ao envolvimento de Marx com outros projetos durante sua produção. Com a Comuna de Paris, ele precisava terminar a tradução do primeiro livro de “O Capital” (o único que viu pronto) para o francês. Na esteira da comuna, lançou também na língua latina “A Guerra Civil na França”. Se os dois trabalhos – cujos francos ajudaram a pagar as contas da família na época – prejudicaram a integridade intelectual de “O Capital”, o trânsito das traduções entre as classes trabalhadoras na França criou um dos braços mais importantes do movimento socialista.

“Foram desenvolvidos muitos estudos, marcadamente conflitantes,
a respeito do grau de acuidade com que o trabalho
de Engels representava as opiniões de Marx.” 
Jonathan Sperber, historiador e principal biógrafo de Marx

Fotos: Interfoto/Latinstock; Vitaliy Karpov/STF