Um dia antes de morrer, Márcio Thomaz Bastos, 79 anos, ex-ministro da Justiça e um dos maiores criminalistas do País, despachou com advogados das empresas envolvidas com a Operação Lava Jato que defendia, Camargo Corrêa e Odebrecht. Para Bastos, aquele deveria ser um dia de trabalho – não importava se dava suas ordens de uma cadeira no escritório ou da cama no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, como de fato aconteceu. Internado desde a terça-feira 18, Bastos morreu na quinta-feira 20 devido a uma “descompensação de fibrose pulmonar”, segundo boletim médico. Ele já havia tratado um tumor no pulmão em 2007. Deixa a mulher, Maria Leonor de Castro Bastos, a filha, Marcela Bastos, e uma série de feitos na área do direito criminal calcados em uma carreira de 50 anos. O trabalho mais recente era justamente a defesa das duas empreiteiras nas investigações de suborno em contratos com a Petrobras. A lista de clientes, célebres e endinheirados, vai de Edir Macedo ao médico condenado por estupros Roger Abdelmassih. Bastos era conhecido por cobrar os mais altos honorários do mercado. Só trabalhou de graça para Lula, no fim da década de 1980, em um processo envolvendo o ex-presidente a um caso de propina.

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DEDICAÇÃO
O advogado paulista, que foi ministro da Justiça no governo Lula e teve
dezenas de clientes célebres: trabalho até a véspera da morte

A aproximação com o Partido dos Trabalhadores (PT) aconteceu antes, em 1979, quando Bastos conheceu Lula em uma palestra no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Em 2003, o criminalista foi nomeado ministro da Justiça pelo ex-presidente, ocupando o cargo até 2007. Por causa dessa aproximação, espanta saber que, em 1964, durante seu mandato como vereador na sua cidade natal, Cruzeiro (SP), foi à tribuna para defender o golpe militar de 1964. Ao entrar para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), porém, reviu suas posições políticas. Duas décadas depois, quando já era presidente da entidade, fez um discurso se redimindo e citando a ilegitimidade dos que ocupavam o poder desde o golpe. Também participou do movimento Diretas Já. Advogou a favor de acusados de corrupção, tráfico de drogas e assassinato, mas nunca defendeu presos políticos.

Em nota, a presidente Dilma Rousseff prestou homenagem a Bastos salientando seu trabalho como ministro, ao ampliar a autonomia da Polícia Federal e aprovar a emenda constitucional pela reforma do Poder Judiciário e o Estatuto do Desarmamento. “Perdi um grande amigo”, afirmou Dilma. Lula disse que Bastos foi um dos homens “que mais lutaram pela democracia e pelo estado de direito em nosso país”. Outras autoridades também comentaram a morte do ex-ministro. “Foi advogado combativo e corajoso que enfrentou a missão à frente do Ministério da Justiça com criatividade e eficiência”, disse Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Bastos dizia que, quando morresse, queria ser enterrado usando sua velha beca, a da sorte. Até o fim, foi o que lhe orgulhava ser: advogado.

Foto: Marcelo Justo/Folhapress