Orecente ocaso de lideranças como José Sarney (PMDB/AP) e Jader Barbalho (PMDB/PA) não pôs fim à era dos coronéis na política brasileira. A queda dos velhos caciques vem acompanhada da ascensão de outro exemplar do mesmo modelo político: o alagoano Renan Calheiros. O senador é hoje um legítimo representante do coronelismo no País. Seu caminho foi pavimentado aos poucos. Começou a despontar em 1989, quando foi líder no Congresso do governo Fernando Collor, ganhou fôlego na gestão de Fernando Henrique, ocasião em que ocupou o comando do Ministério da Justiça, e se solidificou na era Lula, no momento em que se tornou o principal interlocutor do Planalto no Parlamento. Desde então, Renan só acumulou mais e mais poder, a partir de verbas, cargos e benesses oficiais. Como é típico dessa forma de fazer política, o senador do PMDB também ostenta seu curral eleitoral:

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ELE SOBREVIVE
Desde a redemocratização, o senador pelo PMDB alagoano
Renan Calheiros ocupa postos de comando no País

trata-se de Murici, um município de 27 mil habitantes situado a 50 quilômetros de Maceió. A cidadezinha frequenta o noticiário nacional por três motivos – todos lamentáveis: inundações devastadoras, escândalos de desvio de dinheiro público e o fato de sempre ter na prefeitura, em esquema de revezamento, políticos de sobrenome Calheiros. Nas últimas eleições, a família alçou voos mais ambiciosos e ultrapassou em muito as fronteiras da pequena Murici. Graças ao trabalho de Renan, seu filho foi eleito para governar Alagoas. Não bastasse o feito, o peemedebista agora se arma para garantir um novo mandato no comando do Senado a partir de 2015. O cargo deveria ser ocupado por político ficha-limpa, de espírito republicano. Renan está longe disso. Comanda a Casa Legislativa com mão de ferro, tem um passado repleto de denúncias (ver quadro abaixo) e agora enfrenta a suspeita de ter sido beneficiado pelo mais recente escândalo do Petrolão.

Na semana passada, o jornal “O Estado de S. Paulo” revelou que duas empresas envolvidas em fraudes na Transpetro abasteceram a campanha do peemedebista ao Senado em 2010. A SS Administração e o Estaleiro Maguari entregaram um total de R$ 400 mil ao diretório do PMDB em Alagoas, principal contribuinte da eleição de Renan. A doação foi a única feita pelas empresas a um partido ou candidato fora do Pará, onde estão sediadas. Elas pertencem à família do ex-governador paraense Hélio Gueiros, ligado ao ex-senador Luiz Otávio, ambos do PMDB.

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Seria uma simples doação, não fosse o fato de que, três meses depois do repasse, a Transpetro entregou ao consórcio ERT, integrado pelas duas empresas, um contrato de R$ 239 milhões para a fabricação de barcaças. Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, indicado por Renan, autorizou o pagamento antecipado de R$ 21,9 milhões, mas nenhum dos comboios foi entregue. O Ministério Público Federal agora diz que houve fraude na licitação e denunciou o afilhado político de Renan por improbidade. Em 2004, a SS Administração e a Rio Maguari foram denunciadas por crime idêntico. Em 2000, embolsaram R$ 13 milhões da antiga Sudam para a construção de barcaças que nunca foram entregues.

Machado deixou o comando da Transpetro na segunda-feira 10 após ser citado em depoimento do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa à Polícia Federal. Costa disse à PF que recebeu R$ 500 mil de Machado para pagamento de propina a políticos. O ex-diretor não deu nomes, mas há alguns meses incluiu Renan numa lista de beneficiários do esquema. A saída imediata de Machado do comando da subsidiária de transporte da Petrobras foi uma condição imposta pela PriceWaterhouseCoopers para auditar o balanço da estatal. A auditoria independente é fundamental para resgatar a credibilidade da petroleira, que está no centro das investigações da Operação Lava-Jato.

O presidente do Senado nega qualquer envolvimento com o Petrolão e diz que está sendo alvo de adversários. Nos bastidores, ele acusa o PT de plantar denúncias para enfraquecê-lo. Chega a dizer que Machado, no cargo desde 2003, atendia mais às demandas do PT e do PP do que às do PMDB. Reclama, por exemplo, que enfrentou enorme dificuldade para viabilizar a implantação do estaleiro Eisa em Alagoas, enquanto Pernambuco não teve problemas para erguer o Atlântico Sul, obras ligadas à Transpetro.

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Seja como for, Renan não pretende deixar barato. Para compensar a perda de Machado, quer colocar no Tribunal de Contas da União o senador Vital do Rêgo (PB). Se conseguir, será sua segunda vitória recente no tribunal, depois da nomeação de Bruno Dantas – em 2006 ele tentou em vão emplacar o mesmo Luiz Otávio ligado ao estaleiro Rio Maguari. Renan tem dito a interlocutores que, quanto mais tentarem acossá-lo, mais ele expandirá seus domínios. Além de petróleo, o senador tem se dedicado às áreas de telefonia, transportes e previdência. Discreto, em vez de bancar nomes próprios que acabam lhe trazendo problemas, prefere servir de “barriga de aluguel” a indicações de colegas. Assim, atende à demanda dos aliados e mantém o poder sobre o apadrinhado. Mas, se surgem denúncias, ele lava as mãos.

Renan apadrinhou, por exemplo, o procurador-geral do INSS, Alessandro Stefanutto, que era indicado do antigo presidente do órgão Mauro Hauschild. Na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), o presidente do Senado apadrinhou a indicação do diretor Jorge Bastos, ligado ao ex-senador mineiro Wellington Salgado. Bastos dirigia o Universo, time de basquete de Salgado. Na Anatel, Renan fez o mesmo com o conselheiro Marcelo Bechara, que havia sido indicado pelo ex-ministro Hélio Costa. Bechara se tornou intocável desde que Renan, o último dos coronéis da política nacional, passou a protegê-lo.

Fotos: Geyson Lenin, Monique Renne – CB/D.A Press