O presidente do Uruguai, José Mujica, se tornou nos últimos anos um popstar internacional. Graças a reformas como a legalização da maconha, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a descriminalização do aborto, além do estilo humilde de governar (anda de fusca e vive numa casa simples nos arredores de Montevidéu), Mujica ganhou projeção que nenhum outro chefe de Estado do País jamais teve. Apesar da popularidade global, restavam dúvidas sobre a imagem de Mujica perante os próprios uruguaios. Desde o domingo 26, esses questionamentos foram dissipados. Ele foi o grande vencedor das eleições do domingo 26. Apoiado por Mujica, o candidato Tabaré Vásquez, da Frente Ampla, obteve larga vantagem no primeiro turno (alcançou 48% dos votos, ante uma estimativa de no máximo 40%). Vásquez já governou o Uruguai entre 2005 e 2010 e se tornou o favorito disparado no segundo turno contra Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, programado para o dia 30 de novembro. Essa não foi a única vitória de Mujica. A Frente Ampla, coalizão liderada pelo atual presidente e que reúne os partidos de esquerda há mais de 40 anos, conseguiu maioria entre senadores e deputados. E até no plebiscito (realizado no mesmo dia da eleição presidencial) sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, sua campanha teve peso importante. Venceu o não, que contou com o apoio pertinaz de Mujica. “Os uruguaios não querem a interrupção dos avanços sociais dos últimos anos”, disse o presidente após a contagem dos votos.

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NA DIREÇÃO
Mujica chega para votar em seu fusca: adepto da vida simples,
o presidente ficará marcado também pelos avanços sociais

A vitória do não no plebiscito foi a mais surpreendente. Uma semana antes da votação, pesquisas apontavam uma firme disposição dos uruguaios para reduzir a maioridade penal. Se o não passasse, adolescentes de 16 anos que cometessem homicídio, sequestro e estupro seriam julgados e condenados como adultos. A discussão, semelhante à que ocorre no Brasil, foi intensificada no Uruguai graças à disparada da violência. A taxa de homicídios no país é de 7,9 casos por 100 mil habitantes – três vezes menor do que a média brasileira. Embora pequena para os padrões da América do Sul, o índice uruguaio dobrou num período de dez anos. Outro indicador, porém, mostra que a imagem de segurança de que desfruta o Uruguai não corresponde exatamente à realidade. Em 2014, o índice de sequestros está em 0,6 por 100 mil habitantes, o triplo da taxa brasileira.

Para Mujica, a redução da maioridade seria um retrocesso num país com um histórico impressionante de pioneirismos. A lei do divórcio foi promulgada no Uruguai em 1907, ou quase 70 anos antes do Brasil. Os uruguaios também foram os primeiros da América do Sul a introduzir a jornada de oito horas de trabalho (1915) e a conceder o direito de voto às mulheres (1932). A mesma vanguarda se deu na descriminalização do aborto (2012) e na legalização da maconha (2013), estes dois últimos sob o governo Mujica. O Uruguai também tem a democracia mais pujante do continente. Desde 1984, ano das primeiras eleições livres pós-ditadura, os sete presidentes escolhidos pelo voto completaram seus mandatos. Na América do Sul, além do Uruguai, só Chile e Colômbia repetiram o feito. Os outros países, inclusive o Brasil, foram marcados por impeachments ou tentativas de golpe.

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Adepto da vida simples, Mujica criou um estilo que deixará marcas duradouras. Provavelmente influenciados por ele, os outros candidatos se “humanizaram” na campanha. “Cada um deles quer deixar clara uma atitude, uma maneira de viver. Não é uma questão de repetir a postura humilde de Mujica, mas de mostrar sensibilidade, de se apresentarem como pessoas próximas ao homem comum”, disse à BBC o analista político Alvaro Padrón. A partir de março de 2015, Mujica poderá mostrar seu lado popstar no Senado. Na eleição de domingo passado, a lista de candidatos a senador do Movimento de Participação Popular (MPP), partido chefiado por Mujica, ficou em primeiro lugar, com 350 mil votos. Com o resultado, o presidente trocará o comando do Executivo pela liderança parlamentar. Vem mais barulho por aí.

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Fotos: Natacha Pisarenko/AP Photo; Miguel Rojo/AFP PHOTO; PABLO PORCIUNCULA/AFP PHOTO   


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