A reunião de cerca de 200 bispos e cardeais do mundo todo convocada pelo papa Francisco de forma extraordinária, que acontece no Vaticano desde o domingo 5 até sábado 18, é considerada o evento mais importante desse pontificado. Não é para menos. O Sínodo Extraordinário sobre a Família toca em temas até então espinhosos para a Igreja Católica, como segunda união de fiéis divorciados, união homossexual e métodos contraceptivos, entre outros assuntos. Para estar ao seu lado na condução dos grupos de discussão, polêmicos e antagônicos desde antes de a reunião começar, Bergoglio nomeou três cardeais – e chamou-os de “presidentes”. Entre eles, o brasileiro dom Raymundo Damasceno de Assis, 77 anos, arcebispo de Aparecida (SP), presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e membro, até então discreto, da hierarquia católica brasileira, cuja divisão entre progressistas e conservadores é histórica.

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TRABALHO
Dom Damasceno e Francisco durante reunião:
o arcebispo conquistou o papa

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Desde que foi visto sentado ao lado do recém-escolhido papa, em 13 de março de 2013, no ônibus que levava os cardeais para a residência-dormitório ao fim do conclave que aclamou o cardeal de Buenos Aires, dom Damasceno está cada vez mais próximo do líder dos católicos. Eles estiveram juntos em algumas ocasiões, como em encontros do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam). Mas a relação se estreitou desde o ano passado. Na visita do papa ao Brasil, ele esteve em Aparecida, diocese de Damasceno. Lá, o cardeal pediu para que Francisco olhasse para a causa do beato jesuíta José de Anchieta, canonizado em abril deste ano. Para especialistas, a Igreja não pode deixar de dar projeção ao Brasil, maior país católico do mundo. Era preciso que um cardeal brasileiro ocupasse uma posição de proa dentro da instituição nesse momento delicado. Uma das reconhecidas capacidades de dom Damasceno é a de estar no lugar e na hora certos. “Ele é prudente, moderado, e foi escolhido por ser o presidente da conferência episcopal católica de maior importância hoje”, diz o sociólogo Luiz Alberto Gomes de Souza, diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes.

Durante o Sínodo da Família, Francisco pediu que os participantes expusessem os pontos de vista e fossem transparentes. Segundo os vaticanistas, o que está em jogo neste encontro não é a doutrina. O argentino pretende abordar as posturas práticas, adotadas nas paróquias, no corpo a corpo com os fiéis que caminham fora da tradição católica, como os divorciados e gays. Para o sociólogo da religião Francisco Borba, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, de nada adianta permitir, por exemplo, que casados em uma segunda união comunguem se, dentro do templo, eles ouvirem um burburinho ao redor ou se o padre os receber com má vontade. “A acolhida, o amor e o perdão têm de se tornar evidentes. E isso não acontece”, diz. “Se der respostas satisfatórias a temas relativos à sexualidade e ao matrimônio de modo que elas sejam absorvidas por autoridades católicas e fiéis, esse Sínodo será histórico.”

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MUDANÇA
O Sínodo da Família pode alterar a forma como a Igreja
trata católicos divorciados e gays

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Ainda não dá para prever se esse encontro resultará em alguma abertura da Igreja – até porque as resoluções só serão divulgadas em uma nova reunião, no ano que vem. Certo é que Bergoglio não é um soldado disposto a evangelizar ou condenar alguém a flechadas de evangelho. Diante desse contexto, posições assumidas por importantes autoridades católicas já acenam, aparentemente, para uma boa vontade em alguns assuntos. Cardeal primaz da Hungria, Peter Erdö, relator do Sínodo a quem Francisco tem em alta conta, afirmou que os divorciados em segunda união fazem parte da Igreja e sugeriu avaliar o modelo da Igreja Ortodoxa, que permite um segundo ou terceiro matrimônios. Estuda-se, ainda, a ideia de facilitar o processo de declaração de nulidade do matrimônio, com a criação de tribunais diocesanos. “Pode haver mais amor cristão em uma união irregular do que em um casal casado pela Igreja”, diz o padre jesuíta espanhol Adolfo Nicolas, superior-geral da Companhia de Jesus, ordem do argentino Bergoglio.

Ficou evidente que a prática dos cristãos não se prende à cartilha católica. As respostas dadas ao questionário que o Vaticano enviou às dioceses espalhadas pelo mundo no ano passado, como preparação para esse encontro, levaram para dentro da Igreja essa realidade. Se antes as percepções da Santa Sé partiam em grande parte de reflexões teológicas e eclesiásticas, agora, com os dados sociológicos e as respostas dos fiéis sobre a mesa, o confronto com a realidade se tornou inadiável.

Mas alguns continuam resistentes a mudanças. Reunido com seus pares, em Roma, o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, reforçou que a Igreja deve se manter fiel ao evangelho. “As posições da Igreja nem sempre podem amoldar-se aos costumes correntes, sobretudo quando neles há contradições com o evangelho de Cristo”, diz. “Nesses casos, é a Igreja que convida à conversão e a mudar os costumes.” Liderando as discussões, e aparentemente mais sintonizado com as posições do papa Francisco, dom Damasceno afirmou, em discurso introdutório da sessão que discutiu situações familiares difíceis, na quarta-feira 8, que “a Igreja é a casa paterna, que deve acolher uniões homossexuais”. Não à toa é o brasileiro mais próximo do papa atualmente.

Foto: Alessandra Tarantino/AP


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