Uma das principais promessas de campanha de Barack Obama para chegar à presidência dos Estados Unidos na eleição de 2008 foi retirar as tropas americanas do Iraque e encerrar um ciclo de intervenções no Oriente Médio. As Forças Armadas americanas desocuparam o país de Saddan Houssein, mas, três anos depois, Obama iniciou uma nova guerra na região e ninguém sabe como ela pode acabar. Na semana passada, os EUA começaram a bombardear parte da Síria numa tentativa de enfraquecer o Estado Islâmico (EI), ameaça global que cresce a cada dia e tem como objetivo recriar o califado e impor pela violência a lei islâmica. Criado em 2004, o grupo de extremistas hoje já conta com o apoio de aproximadamente 30 mil combatentes no Iraque e na Síria. Calcula-se que 15 mil dos participantes são estrangeiros de 80 países – três mil deles europeus. Em um beco sem saída, Obama resolveu partir para a ofensiva, mesmo sem a anuência do Congresso. A decisão foi reforçada por sua taxa de reprovação, que já alcança 54%. Como 60% da população americana é a favor do enfrentamento ao EI, os ataques também são uma forma de conseguir apoio para seu partido às vésperas das eleições legislativas de novembro.

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NAÇÃO DE REFUGIADOS
Na semana passada, 130 mil curdos fugiram para a Turquia
para escapar da violência dos radicais do Estado Islâmico

Os ataques aéreos contra os alvos da milícia na Síria se iniciaram na madrugada da terça-feira 23, com a utilização de caças, bombardeiros e mísseis. Pelo menos 12 instalações controladas pelo EI que forneciam combustível e dinheiro para o grupo foram atingidas. A legitimidade da ofensiva é questionada pela comunidade internacional, uma vez que o ataque não foi autorizado pelo governo da Síria. “Bombardear sem autorização abre precedente para retaliações. É preciso agir, mas com cuidado”, afirma Reginaldo Nasser, especialista em política e conflitos internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autor do livro “Conflitos internacionais em múltiplas dimensões”. Os Estados Unidos enfatizam, no entanto, que os ataques contam com o apoio de nações parceiras, entre elas Arábia Saudita, Jordânia, Emirados Árabes e Bahrein. Além disso, 26 países já haviam se posicionado a favor do combate – o Brasil foi contra e criticou a ofensiva. Na quarta-feira 24 o Conselho de Segurança da ONU aprovou por unanimidade uma resolução que determinou aos seus 193 países-membros a adoção de medidas legais para impedir a adesão de seus cidadãos a grupos extremistas.

Cada ação militar alimenta o ciclo da violência, com reação imediata do EI, responsável por inúmeros atos hediondos, como estupro de crianças e de mulheres. Para fugir da violência, 140 mil curdos seguiram para a Turquia só na semana passada. Antes mesmo dos ataques começarem, na segunda-feira 22, os radicais convocaram seus simpatizantes em todo o mundo a matarem os cidadãos dos países que apoiam a Casa Branca. Três dias depois, um grupo jihadista divulgou um vídeo com cenas da decapitação do francês Hervé Pierre Gourdel, um guia de montanha de 55 anos que havia sido sequestrado na Argélia. Intitulado “Mensagem de sangue ao governo francês”, o vídeo começa com imagens do presidente da França, François Hollande, quando se recusou a apoiar o fim dos ataques ao Iraque. Foi a quarta decapitação de reféns ocidentais desde agosto. O grupo extremista também ameaça jogar bombas em Paris e em Nova York.

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CONFLITO
Obama discursa na ONU na quarta-feira 24 para defender a ofensiva:
ao lado, refém francês que foi decapitado – o quarto ocidental – por grupo jihadista

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Especialistas concordam que a ofensiva dos Estados Unidos é necessária, mas, sozinha, não resolve o conflito a longo prazo. “São apenas limitações temporárias. Enfraquecidos, os extremistas vão adiar para daqui a alguns meses o que fariam na semana que vem”, afirma Samuel Feldberg, professor de política internacional da Universidade de São Paulo (USP). “Os ataques militares a países muçulmanos serão usados como pretexto para criar mais terrorismo e novos grupos podem surgir. O enfrentamento tem de ser contra a ideologia”, disse à ISTOÉ Stuart Gottliep, professor de relações internacionais do Instituto de Guerra e Paz Arnold Saltzman, da Universidade de Columbia, de Nova York.

Para entender o conflito na região, é preciso analisar o histórico do cenário no qual os extremistas se proliferam. A ofensiva militar no Iraque, liderada por George Bush em 2003, deixou o país e a Síria em frangalhos. Sem um governo capaz de unir o país, o terrorismo desponta. “São pessoas que perderam a esperança, pois viram muitas mortes sem qualquer apoio da comunidade internacional”, disse à ISTOÉ Mohammed Al-Habash, especialista em estudos islâmicos da Universidade de Abu Dhabi. “Em busca de qualquer solução e recorrendo à violência, os radicais crescem.”

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Fotos: BULENT KILIC/AFP Photo; Don Emmert/AFP Photo; HO/AFP Photo