A página do Facebook de João Donati, 18 anos, como a da maioria dos adolescentes brasileiros, é recheada de selfies – aquelas fotos feitas pela própria pessoa – com infinitas caretas e poses com a língua de fora para exibir um piercing. É possível também ver imagens de casais do mesmo sexo abraçados, de mãos dadas, trocando carícias ou se casando. Na mesma rede social, o rapaz aparece abraçado e sorridente com sua mãe ou outros parentes, mostrando a boa relação familiar. Mas, para o pesar de todos, na quarta-feira 10 os comentários na rede social passaram de elogios para condolências e protestos. João foi encontrado morto em um terreno baldio de Inhumas (GO), com sinais de tortura. A polícia suspeita que o brutal assassinato tenha sido motivado por homofobia. Na madrugada seguinte, em Santana do Livramento (RS), dois mil quilômetros distante da cidade goiana, outro ato de intolerância: um incêndio criminoso atingiu o salão reservado para receber no sábado 13 um casamento comunitário – entre os 29 casais inscritos, um homoafetivo. Os fatos de extrema violência em um intervalo de menos de 30 horas causaram revolta e viraram estopim para a organização de diversos protestos pelo País, deixando claro que, apesar da fama internacional de “gay friendly” (em português, amigável aos gays) ostentada pelo Brasil, o preconceito ainda reside em nossa sociedade.

 

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IGNORÂNCIA
João Donati, 18 anos (acima), foi brutalmente assassinado
e a polícia desconfia de crime motivado por homofobia

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Em entrevista à ISTOÉ na quinta-feira 11, a ministra dos Direitos Humanos, Ideli Salvatti, contou estar fazendo as malas para ir ao casamento de Gislaine Moura de Vargas, 41 anos, e Maria Inês Machado, 26 anos, o casal do Rio Grande do Sul que, desde o incêndio criminoso, está sob proteção da polícia. “Meu primeiro telefonema do dia foi para a secretária de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul. Estamos só aguardando a confirmação de que a solenidade vai acontecer”, afirmou a ministra. Ideli diz que a criminalização da homofobia é uma necessidade, mas afirma que a sanção da lei não é o suficiente. “É preciso criar um constrangimento social aos preconceituosos que complemente e dê eficácia à legislação no comportamento da sociedade.” Segundo a ministra, casos atordoantes como os da semana passada devem ser acompanhados de perto e julgados para então servirem de emblema, mostrando que o preconceito e a violência, de qualquer teor, não devem ser tolerados.

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Acima, Maria Inês e Gislaine: salão onde elas iriam se casar foi incendiado

A homofobia, à luz da psicanálise, jamais será extirpada, já que representa um surto primitivo. “Na visão psicanalítica a homofobia está muito próxima da ideia do medo, como se a identidade sexual do próprio agressor pudesse eclodir. De alguma forma, essas agressões nos levam a pensar sobre a necessidade de o homofóbico extirpar no outro aquilo que o ameaça, algo que está na ordem do insuportável dentro dele”, diz a psicanalista carioca Monica Donetto, especialista em homoafetividade e homofobia. Ela afirma que a sociedade jamais irá se livrar desses surtos, mas que eles podem ser controlados a partir da educação. E explica que, tanto a homofobia quanto a homoafetividade se constroem desde a primeira infância, quando o indivíduo está formando sua personalidade e sua identidade sexual. Para a psicanalista, há ainda um certo moralismo no seio da família, que trata a homossexualidade como doença e a ignora como uma das diversas formas de identidade sexual. “O indivíduo cresce com aquela noção de moral e com a ideia de heterocentrismo, de que ser homem é ser hétero.”

Segundo o último levantamento do Relatório Sobre Violência Homofóbica, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o número de denúncias desse tipo de crime cresceu 166% em 2012 em relação ao ano anterior. A presidenta da comissão de direito homoafetivo da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro, Raquel Pereira, critica a postura da corte em rejeitar a criminalização da homofobia. “Hoje, ainda que uma pessoa seja racista, ela não verbaliza isso, não ofende o outro e, ainda por cima, não faz outras pessoas ouvirem suas ideias, reverberando o preconceito. Queremos que o mesmo aconteça com a homofobia. Temos discursos de ódio que são proferidos o tempo inteiro e são julgados como crimes comuns. Mas não são.”

Casamento após 72 anos juntas

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Que sejam felizes para sempre não é um voto adequado a essas noivas: Alice Dubes, 90, e Vivian Boyack, 91, já usufruíram da felicidade durante 72 anos de vida em comum. Faltava só casar no papel, usar aliança na mão esquerda e receber a bênção nupcial. Não mais. A cerimônia foi realizada no sábado 6, em Davenport, Iowa, nos EUA, pela reverenda Linda Hunsaker, da Primeira Igreja Cristã de Davenport. Foi, provavelmente, o primeiro casamento gay de nonagenárias. Elas se conheceram antes dos 20 anos, namoraram cinco e foram morar juntas. “É preciso muito amor e esforço para manter um relacionamento”, diz Vivian. Comovida, a reverenda disse: “Essa é a celebração de algo que deveria ter acontecido há muito tempo”

Fotos: Carlos Macedo/ Agência RBS; Fabian Ribeiro/Raw Image; Thomas Geyer/AP Photo