Na década de 50, quem nascesse no Seringal Bagaço, no Acre, a 70 quilômetros do centro de Rio Branco, estava destinado a um futuro ao mesmo tempo previsível e triste – fruto da lamentável realidade brasileira que condenava a viver na pobreza os que sobreviviam da extração da borracha nos rincões do País. Nesse contexto e ambiente, surgiam ao mundo duas filhas do seringueiro cearense Pedro Augusto da Silva e da dona de casa Maria Augusta da Silva. Em fevereiro de 1958, Maria Osmarina Marina Silva, hoje candidata do PSB à Presidência. No ano seguinte, Maria Lúcia Silva, irmã mais próxima de Marina Silva e com quem ela mais se parecia fisicamente. Na infância, elas e mais seis irmãos trabalhavam no seringal da Colocação Breu Velho para ajudar as custear as despesas de casa. Não tiravam mais do que R$ 20 por mês com o serviço. A família era tão miserável que só a irmã mais velha, Deuzimar, por ostentar essa condição, tinha o direito de dormir na única cama de que dispunham os filhos. Os demais deitavam em redes de pano ou até no chão. Uma decisão levada a cabo por Marina em 1973, porém, mudaria por completo o seu destino, e a diferenciaria dos demais integrantes da família Silva, entre eles Maria Lúcia. Diagnosticada aos 15 anos com malária, a menina Marina implorou ao pai para morar na cidade a fim de cuidar da saúde e trabalhar. Os parentes temiam pelo pior. Achavam que ela estaria fadada ao infortúnio experimentado por todas aquelas que se desgarravam precocemente da família iludidas pelos encantos da cidade grande. Uma das avós vaticinou: “Ela voltará em três meses. Grávida”. Diante da insistência da filha, no entanto, o pai finalmente aprovou, ao que Marina, genuflexa, agradeceu.

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PARECE, MAS NÃO É
Na infância, Marina Silva chamava a irmã Maria Lúcia de "Marinô"

Enquanto a irmã permanecia sob a tutela dos pais, no seringal Bagaço, Marina aos 16 anos foi matriculada no Mobral – projeto de alfabetização do regime militar –, porque queria ser freira e sua avó lhe dizia: “Não existe freira analfabeta”. De 1974 a 1975, Marina trabalhou como empregada doméstica, em Rio Branco, até ficar sob os cuidados do então bispo do Acre, dom Moacyr Grechi, ter acesso à Teologia da Libertação e começar a frequentar as reuniões das Comunidades Eclesiais de Base. Em 1976, Marina decidiu fazer um curso de liderança sindical rural, se aproximou de Chico Mendes, de quem se tornou amiga, e do PT. O restante da história da candidata do PSB ao Planalto todos sabem.

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EM FAMÍLIA
Marina, a irmã-clone (em destaque), o pai (de boné) e os demais
irmãos. A família se reúne sempre que pode no Acre

De certa forma, os destinos de Marina Silva e Maria Lúcia se cruzaram este ano durante a campanha presidencial. Hoje, Lúcia, aos 55 anos, apenas alfabetizada, trabalha como dona de casa no bairro de Taquari – região pobre e violenta de Rio Branco – e congrega na Assembleia de Deus. Humilde, muito simples e com pouca instrução, Maria Lúcia distribui santinhos de Marina Silva pelas ruas da capital do Acre. Quem a vê, de longe ou de perto, imagina estar diante da própria Marina Silva. Motivo: ela não só guarda semelhanças físicas com Marina como possui o mesmo timbre de voz, o sotaque e o léxico característico da aspirante ao Planalto. “Mãe, olha ela ali. É a Marina”, diz a meninada. “Não sou ela, mas quem puder vote na Marina”, explica sempre calmamente Maria Lúcia. “Sei que ela vai fazer o possível para que as coisas fiquem melhores do que estão”, acredita.

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EM CAMPANHA
Maria Lúcia faz panfletagem para a irmã nas ruas e é
cercada por crianças: "É a Marina", dizem

Por causa da candidatura da irmã, o telefone de sua casa no Taquari não para há pelo menos duas semanas. São repórteres de jornais locais, nacionais e até estrangeiros querendo dar uma palavrinha com a sósia e irmã de Marina. Maria Lúcia, que na infância era chamada de “Marinô” por Marina, toda vez em que se despediam uma da outra, desde o início da campanha virou uma espécie de porta-voz da família. Ela não recusa entrevistas, mas a assessoria de Marina diz que a irmã “só fala pessoalmente e no Acre”. No fim de semana do 7 de setembro, ela e mais duas irmãs, Maria de Jesus e Maria Elizete, aproveitaram os festejos oficiais para intensificar a panfletagem em Senador Guiomard, município de 20 mil habitantes, no Acre.

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Em 2010, Marina se mostrou decepcionada com o desempenho eleitoral no Estado. Apesar de ser a terra natal da senadora, o Estado preferiu José Serra (PSDB), que ficou com 52,18% dos votos, contra 23,74% de Dilma Rousseff (PT). Marina ficou em terceiro, com 23,58% dos votos. Quando era filiada ao PT, Marina Silva sempre conquistava muitos votos no Estado: foi eleita vereadora de Rio Branco, deputada estadual e senadora duas vezes. Em 2010, sofreu uma importante baixa no Acre. Indagada na época sobre o sentimento a respeito da votação de seus conterrâneos, Marina respondeu: “É uma tristeza muito grande, mas é a democracia”. A irmã Maria Lúcia acredita que, nesta eleição, o jogo possa virar. Como o destino virou em favor de Marina Silva quando ela deixou a casa dos pais aos 15 anos.  

Fotos: Altino Machado/Terra, Eduardo Anizelli/Folhapress