Um homem humilde sentado à mesa da cozinha revê fotos antigas. Em seguida, levanta a cabeça e agradece a Deus. Com a voz embargada pela emoção, José Veit fala das dificuldades que no passado obrigaram seu filho Odair a trocar o campo pela cidade. “Ele trabalhou comigo desde pequenino. Saiu porque não tinha perspectiva de ter futuro na agricultura. Mas graças a Deus hoje está comigo”, diz. Na cena seguinte, o filho surge numa estrada de chão pilotando um trator, enquanto a voz da locutora explica que ele voltou porque, com Lula e Dilma Rousseff, “o apoio à agricultura familiar cresceu como nunca”. A propaganda é feita para convencer o eleitor de que aquela é uma história real, igualzinha à de milhões de brasileiros que vivem no campo. Mas Veit não é um simples lavrador, e sim uma autoridade a serviço do próprio PT de Dilma.

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REALIDADE PARALELA
Na TV, José Veit fala das dificuldades que obrigaram
seu filho a trocar o campo pela cidade

Veit é petista e secretário de Agricultura de Bom Princípio, município de 12 mil habitantes localizado a 72 km de Porto Alegre (RS). Ele foi indicado para o cargo em junho do ano passado por um acordo político firmado na campanha de 2012 entre PT e PMDB, que dividem o poder local há mais de uma década. Veit também preside a Ecomorango, cooperativa de produtos orgânicos criada há 14 anos em parceria com outro petista, o vice-prefeito Luiz André Steffen, que também foi secretário de Agricultura na última gestão do peemedebista Jacob Siebel, condenado por crime contra as finanças públicas.

Com tal currículo, surpreende que a campanha do PT tenha escolhido logo José Veit. Certamente, havia opções. Outros agricultores locais, inclusive, se queixaram da aparição do secretário na propaganda em rede nacional. “Os colegas mexeram comigo”, admite Veit. Ouvido por ISTOÉ, ele contou que foi procurado no ano passado por uma equipe do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para uma ação de cadastramento e não soube dizer como virou personagem da propaganda de Dilma. Tampouco vê qualquer conflito de interesses ou risco à credibilidade da campanha.

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O recrutamento do secretário do PT revela um amadorismo impensável para uma produção comandada por quem é considerado o maior marqueteiro do País, João Santana. Há dúvidas também sobre a versão contada na TV, segundo a qual Odair voltou para a roça graças aos programas do governo federal. Na verdade, o rapaz tentou a sorte na cidade vizinha de São Sebastião de Caí. Entrou numa faculdade privada, mas foi obrigado a abandonar os estudos após dois anos. “Era muito caro”, explica o pai. De volta à cidade natal, Odair ainda tentou concurso para contador da prefeitura em 2012, mas não passou. No ano passado, ingressou no Pronatec. Procurado, o PT alegou que o fato de ele estar ocupando um cargo em um município de pouco mais de 11 mil habitantes “não apaga que ele e sua família têm toda uma vida dedicada à agricultura familiar”.

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Esta não é a primeira falha na campanha de Santana. Na semana passada, a imprensa notou que a propaganda oficial de Dilma estava usando para ilustrar seus tempos de militância armada a reprodução de uma ficha criminal falsa, cuja publicação anos atrás foi duramente criticada pela própria presidenta. Outro caso foi o da agricultora Marinalva Gomes, a dona Nalvina, que ganhou do governo uma dentadura às vésperas da gravação de um dos programas eleitorais. Contratado ao custo de algumas dezenas de milhares de reais, Santana surpreendeu negativamente ao usar na campanha de reeleição da petista o slogan “Coração Valente”, o mesmo que ilustrou a candidatura presidencial da ex-senadora Heloísa Helena (PSol) em 2006. Pelo visto, está faltando criatividade ao PT. 


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