Pedro Marcari tem 18 anos, acaba de se formar no ensino médio e leva a vida dos sonhos de qualquer garoto da sua idade: acorda às 11 horas, joga videogame por horas a fio e vai dormir de madrugada sem ouvir reclamações dos pais. Férias? Longe disso. Essa é a profissão de Marcari, e graças a ela já recebe um salário mensal em torno de R$ 3 mil. Ele faz parte de uma turma de jovens conhecidos como ciberatletas, que viajam pelo mundo competindo em torneios internacionais de videogames e, às vezes, acumulando verdadeiras fortunas. A equipe chinesa Newbee, por exemplo, venceu na segunda-feira 21, em Seattle, nos Estados Unidos, o mundial de “Defence of the Ancients”, jogo popularmente conhecido como “Dota”, e levou para casa nada menos do que US$ 5 milhões. A brincadeira pode parecer de criança, mas as cifras são de gente grande.

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PROFISSIONAL
Game House da equipe Kabum: os garotos moram numa casa em
Limeira (SP) onde álcool, festas e namoradas são proibidos

“Meus pais não acreditavam muito, até que o dinheiro começou a cair na conta”, diz Marcari, que se mudou de Ribeirão Preto para Limeira, ambas em São Paulo, e hoje vive com seis amigos em uma game house. Lá, eles não se preocupam com faxina, contas ou supermercado, tudo é pago pelos patrocinadores do time. Há quatro dessas moradias no Brasil. Elas servem de quartel-general onde namoradas, festas, ou bebidas alcoólicas não são permitidas. Ali só se pensa em uma coisa: League of Legends, ou LOL. Na arena virtual, Marcari se chama Lep, é o capitão da equipe Kabum, composta por mais quatro colegas, e comanda ataques às torres dos rivais com o objetivo de destruir a base inimiga, numa espécie de xadrez fantasioso.

Durante a final mundial desse jogo, no ano passado, 13 mil pessoas lotaram o estádio do time americano de basquete, o Los Angeles Lakers, e 32 milhões assistiram via web. No Brasil, a derradeira batalha na disputa do prêmio de R$ 55 mil estava marcada para o sábado 26, no Maracanãzinho, e teve os sete mil ingressos esgotados em apenas cinco horas. Para Marcari e sua turma chegarem lá, foram necessárias seis horas diárias de treino, mais duas horas analisando gravações próprias e de adversários para criar novas estratégias, além de acompanhar transmissões ao vivo dos grandes mestres, os asiáticos, que dominam o ranking. Seu desafiante, o time paulistano CNB, foi criado pelos irmãos Cleber e Carlos Fonseca, de 23 e 27 anos. Hoje publicitário, Cleber chegou a repetir o oitavo ano do ensino médio por causa dos campeonatos, dos quais começou a participar em 2009. Os irmãos comandam 14 ciberatletas de três jogos diferentes e possuem uma game house na zona sul de São Paulo.

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EMPRESÁRIOS
Os irmãos Carlos (à esq.) e Cleber
comandam 14 ciberatletas de três jogos diferentes

Cleber explica o modelo de gestão da empresa: “Pagamos salário de R$ 800 somente para gastos pessoais e eles também ganham com publicidade em seus vídeos”, diz. Transmissões ao vivo contabilizam semanalmente sete milhões de espectadores que ficam, em média, mais de 70 minutos assistindo às partidas, tempo precioso para anunciantes. A renda mensal de um jogador pode variar de R$ 2 mil a R$ 10 mil, segundo ele. No entanto, como para qualquer atleta, a carreira é curta. A idade máxima gira em torno de 28 anos. Depois disso, alguns voltam para seus planos iniciais de faculdade, outros criam suas próprias empresas.

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Iniciadas como movimentos de fãs, as competições ganharam a atenção das empresas de software nos últimos três anos e hoje figuram entre suas maiores fontes de renda. Segundo a empresa de monitoramento online Super Data, usuários americanos de plataformas como LOL e Dota gastaram US$ 774 milhões com os jogos, apenas no mês passado. Esse valor se refere exclusivamente a extras, como equipamentos e roupas para os personagens, pois o acesso aos programas é gratuito. A previsão para o Brasil é de que o mercado – já existem 3,4 milhões de jogadores no País – movimente US$ 1,5 bilhão neste ano. Apesar das cifras generosas, os números ainda estão a léguas dos da Coreia do Sul, onde os jogos são transmitidos por canais de tevê aberta no horário nobre. “Isso vai levar décadas para acontecer aqui, os coreanos têm uma cultura de jogos muito enraizada”, diz Roberto Iervolino, da Riot Games. A primeira geração de ciberatletas brasileiros já está em campo.

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Fotos: Gabriel Chiarastelli/Agência Istoé; Airam Asil 


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