Uma casa na paradisíaca ilha de Oahu, no Havaí, uma linda namorada apaixonada, um salário anual de US$ 122 mil. Para muitos, Edward Snowden tinha tudo o que um homem de 29 anos poderia querer. Há cerca de um mês, ele deixou essa vida para trás ao embarcar num voo para Hong Kong, na China, levando na bagagem quatro laptops. Sua meta: iniciar uma cruzada contra a violação da privacidade de cidadãos comuns e a favor da liberdade na internet. Ao vazar uma série de informações confidenciais ao jornal britânico “The Guardian” e ao americano “The Washington Post”, Snowden revelou a existência de um programa de monitoramento de telefones, e-mails e redes sociais desenvolvido pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês). Chamado de Prism, o sistema foi classificado por ele como uma “máquina massiva de vigilância que eles (governo americano) estão construindo secretamente”. A denúncia expõe, pela primeira vez, que a escala do recolhimento de dados privados de indivíduos americanos e estrangeiros é maior do que se imaginava. Por meio do Prism, os dados seriam coletados diretamente dos sistemas das maiores empresas de tecnologia do mundo, como Google, Facebook, Yahoo! e Microsoft.

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SEM SEGREDOS
Para Snowden, os indivíduos têm o direito de saber que são espionados

A denúncia de Snowden provocou uma reação imediata. “Não se pode ter 100% de segurança e também 100% de privacidade com zero de inconveniência”, disse o presidente Barack Obama. A NSA, que reconheceu a existência do esquema de monitoramento, defende sua ação como um legítimo combate ao terrorismo que não extrapola parâmetros legais. Em sociedades livres, porém, a violação de telefones e e-mails de todo e qualquer cidadão é simplesmente um crime. Para o americano Ashkan Soltani, consultor independente e especialista em privacidade online, tamanha vigilância é uma “ameaça à democracia”. Pouco se sabe sobre o funcionamento dos intrusivos programas de monitoramento – o governo diz que ninguém escuta as ligações, mas que computadores buscam identificar padrões potencialmente perigosos. Soltani, que também é ex-investigador da Comissão Federal de Comércio dos EUA, afirma que a eficácia dessa técnica ainda é uma dúvida. Na quarta-feira 12, o diretor da NSA, Keith Alexander, disse ao Senado que a espionagem de dados ajudou a prevenir “dezenas de eventos terroristas” no país e no Exterior. Ele citou como exemplo o desmantelamento dos planos de Najibullah Zazi de explodir bombas no metrô de Nova York, em 2009. O Prism não ajudou, contudo, a evitar o atentado à Maratona de Boston em abril, embora os irmãos Dzhokhar e Tamerlan Tsarnaev, acusados como autores do crime, fossem ativos nas redes sociais.

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SOLIDARIEDADE
Manifestantes em Nova York expressam apoio
ao espião, a quem chamam de "herói"

Como Bradley Manning, soldado americano que entregou arquivos confidenciais ao WikiLeaks em 2010, Snowden não ocupava nenhum cargo da alta hierarquia da inteligência nacional. Ainda assim, ambos tiveram amplo acesso a segredos de Estado. Snowden, que nem chegou a completar o equivalente ao ensino médio nos EUA, se alistou no exército em 2003 (mas desistiu da carreira militar depois de quebrar as duas pernas num treinamento), trabalhou como assistente técnico na CIA e, nos últimos quatro anos, atuou em diversas empresas que prestam serviço à NSA, como Dell e Booz Allen Hamilton. “Meu único motivo é informar as pessoas sobre o que é feito em nome delas e o que é feito contra elas”, declarou. A batalha que tanto ambicionava finalmente começou, mas falta convencer a opinião pública de sua importância. Boa parte dos americanos parece pouco preocupada com a vigilância do Estado. Segundo pesquisa do Pew Research Center em conjunto com o “The Washington Post”, 56% da população considera “aceitável” o acesso da NSA a seu histórico de ligações telefônicas mediante ordens judiciais secretas. Esse, afinal, deve ser o momento mais oportuno para o debate. Em menos de quatro meses, a agência abrirá o maior banco de dados do mundo, em Utah, com capacidade para armazenar o equivalente a 250 bilhões de DVDs.

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ABANDONADA
Lindsay Mills, a namorada que Snowden deixou no Havaí,
diz que agora se sente "muito solitária"

De dentro de um quarto de hotel em Hong Kong, onde trocou e-mails com um repórter do “The Guardian” no Rio de Janeiro, Snowden diz que pretende ser julgado na ilha e que seu objetivo não é ganhar fama. O espião só não contava com a indiscrição de sua namorada. A dançarina de 28 anos, Lindsay Mills, mantinha um blog com vários relatos sobre o cotidiano do casal, ilustrado por fotos sensuais. Lindsay identificava o namorado apenas como “E” e brincava com o fato de seus amigos pensarem que ele não existia. Depois que Snowden se identificou como a fonte dos vazamentos, no domingo 9, e antes de tirar o blog do ar, Lindsay disse que se sentia solitária e que “a vida, às vezes, não permite despedidas apropriadas.”

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