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Nem Amélia nem Joana D’Arc. Alçada ao Olimpo político raramente aberto no País às mulheres, a governadora do Maranhão – e agora presidenciável –, Roseana Sarney, 48 anos, que carrega no sobrenome o peso e a sina do clã político encastelado há 35 anos em um de nossos Estados mais pobres, não faz força para parecer dona-de-casa nem faz pose de heroína. Mãe e avó num país machista que ainda confere às mulheres papel secundário, Roseana, ou Rose em família, não tem medo de vestir o avental para enfrentar o fogão e cozinhar caranguejo com farofa. Também encontra tempo para os herdeiros – a filha adotiva, Rafaela, e os netos, Fernanda, dois anos, e Rafael, seis meses. Nem por isso encarna aquela “que era mulher de verdade”, talhada para servir: manda e é obedecida. Prefere tênis a salto alto, picolé de limão – acredite, ela devora pelo menos dez por dia – a qualquer sobremesa fina, e não troca uma roda de violão, na qual toca e canta toadas maranhenses, por jantares com a corte local. “É importante que a mulher ocupe seu espaço na política, chame ela Marta, Erundina ou Roseana. Mas não sou feminista nem tenho vocação para mártir”, diz. Num eleitorado escaldado por políticos que fazem das tripas coração para parecer o que não são, Roseana não esconde a origem na elite maranhense nem faz publicidade de seus hobbies, como as trilhas de jipe pelos Lençóis ou os passeios de motocicleta na garupa do marido, Jorge Murad. As trilhas, segundo Roseana, servem para conhecer melhor o povo. “Gosto de parar e conversar, ver se a criança está na escola, se o pai de família tem emprego. Quando estou de bermuda e sandália, as pessoas se sentem mais livres para falar”, brinca. Mas ela quer ficar bem longe da imagem de Indiana Jones do mangue. Para irritá-la, basta arriscar uma comparação com Fernando Collor, o jovem herdeiro de uma oligarquia nordestina que sonhou ser (e foi) presidente. “Sempre querem me rotular, mas isso não cola”, descarta. “Não sou um novo Collor. Meu nome é Roseana.” A governadora prefere seguir a trilha da ex-primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher, embora a dama-de-ferro maranhense derreta-se fácil dentro do próprio ninho. Nada a impede, nos finais de semana, de tomar uma cerveja gelada na Praia do Meio com os amigos. De terninho, jeans, avental ou maiô, a vocação de Roseana é a política. Ou quase. Diante dos netos, Fernanda e Rafael, esquece tudo. “Esse é o balão de oxigênio para enfrentar a vida”, resume.

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Uma luta pela vida que Roseana, mesmo jovem, conhece como poucos. Desde os 19 anos já fez uma maratona de 15 cirurgias: retirada de cisto no ovário e nódulo no pulmão esquerdo, extração de pólipos no intestino e de tumores benignos no seio direito, retirada de parte do intestino, cirurgia no joelho esquerdo e extração de útero e ovário. “Cheguei a duvidar que sairia dessa”, conta Roseana, uma fumante que baixou sua média de um maço e meio para dez cigarros por dia. Ela pretende iniciar 2002 longe do vício. “Meu anjo-da-guarda dá umas cochiladas de vez em quando. Mas estou nova em folha”, diz. Agradecida pela vida, passou a ler toda manhã um trecho da Bíblia. “Se Deus me permitir, quero ficar bem velhinha e viver meus últimos dias numa praia tomando sol”, planeja. Sobrevivente, diz que se tornou uma pessoa mais tolerante. “Cada cirurgia mudou um pouco minha vida. Hoje não guardo ódio. Absorvo a raiva”, conta.

Quando Roseana nasceu, seu pai, José Sarney, era deputado estadual. Logo se elegeu governador. O Palácio dos Leões, a sede do governo local, sempre foi sua segunda casa – às vezes, a primeira. “Eu tomava café, almoçava e jantava política”, conta a filha pródiga. Mas a genética do palanque – e das urnas – não se manifestou tão rápido. A primeira grande mudança aconteceu quando o pai, eleito governador, decidiu colocá-la para estudar, a partir do ginásio, em escolas públicas. A superprotegida filha de uma elite nordestina, que em Brasília morava em apartamento funcional e brincava com filhos de parlamentares, desceu ao encontro do Brasil real. Tinha 12 anos. “Foi uma das coisas mais importantes para minha formação. Não me elitizei”, recorda Roseana, que cresceu nos anos de chumbo – regime militar, protestos de rua e dois partidos, a Arena e o MDB. “Não fui uma jovem alienada. Eu era contra a ditadura militar”, conta ela, que participou de passeatas no Rio de Janeiro, em 1968, e no Recife, em 1970. Dentro de casa, não via o pai, senador pela Arena, partido que dava sustentação ao regime militar, como um conservador. “Meu pai era uma Arena do B”, teoriza. No Rio, para onde se mudou, surgiu o seu primeiro ídolo fora de casa: o líder estudantil Vladimir Palmeira, hoje da esquerda do PT do Rio.

Quando estudava ciências sociais na Universidade de Brasília, foi mordida pela política. Tinha 21 anos. Só não se candidatou porque tinha de terminar a faculdade. Em 1982, aos 25 anos, problemas de saúde adiaram de novo o sonho. Em 1984, a chance de começar na política caiu por terra com o fracasso da luta pelas Diretas-já. Isso porque quando o pai, José Sarney, assumiu a Presidência com a morte de Tancredo Neves, Roseana ficou inelegível. Com o pai no Planalto, ela assumiu a assessoria do Gabinete Civil da Presidência. Só conseguiu estrear nas urnas em 1990, eleita deputada federal com 45 mil votos – a mais votada do Maranhão. Em 1994, numa disputa acirrada, ganhou o governo estadual. Reelegeu-se com quase 70% dos votos no primeiro turno em 1998. No meio desse caminho, reatou a união com o economista Jorge Murad, com quem se casou duas vezes. São 12 anos vivendo juntos e cinco de separação, entre 1987 e 1992. “Foi um reencontro inesperado”, conta Roseana. No único governo estadual exercido por uma mulher, Murad, 47 anos, é o homem forte do governo. Depois de uma reforma administrativa radical, que trocou secretarias por gerências, o marido de Roseana ficou com a do Planejamento, que acumulou Fazenda e Indústria, entre outras áreas, e controla 40% do orçamento do Estado.

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Preconceito – Única filha do ex-presidente José Sarney e de dona Marly, Roseana não foi a primeira opção. A família contava com Fernando, que acabou como administrador do patrimônio do clã, e José Sarney Filho, o Zequinha, um deputado discreto que hoje vive seu auge como ministro do Meio Ambiente. “Não entrei na política para continuar uma obra. Entrei porque tinha idéias próprias. Conquistei esse espaço à força”, desabafa Roseana. “Ela teve que vencer primeiro dentro de casa, com os irmãos, para depois marchar, independentemente do pai, do nome, sendo apenas ela mesma”, reconhece Sarney. Mas Roseana sabe que precisa provar todo dia que não vive – nem governa – sob a sombra paterna. “Primeiro diziam que era meu pai quem mandava. Depois, meus irmãos. Agora dizem que quem manda é o Jorge. É um preconceito”, afirma. Quando se candidatou ao governo do Maranhão em 1994, Roseana encomendou uma pesquisa: você votaria numa mulher para governadora? Descobriu que 11% dos eleitores não votariam em uma mulher nem amarrados.

Eleita, descobriu que o preconceito não parte só do eleitor. Em reuniões com ministros e governadores, a única mulher do grupo percebeu que só se dirigiam a ela para falar de amenidades. “Quando eles conversavam comigo, só me perguntavam como ia meu marido, meu pai e minha filha. Só faltava perguntar o que eu ia fazer no jantar”, lembra. Decidiu não participar mais de reunião nenhuma. Agora é diferente, mas ela acha que ainda há muito o que avançar. Um dos focos de machismo, diz Roseana, está no Congresso, que vive um clube do bolinha. Além de minoria, as mulheres são escanteadas das presidências de comissões mais importantes. “Quando uma mulher vai assumir a Comissão de Orçamento? Estamos excluídas das maiores decisões. Isso é discriminação”, aponta Roseana.

E uma presidente? Será que o povo tem preconceito? “É o próximo passo”, avisa ela. A voz das ruas, interpretada pelas pesquisas, coloca Roseana empatada com o candidato do PT, Luís Inácio Lula da Silva. Em pesquisa do Datafolha de quarta-feira 19, Roseana aparece, no segundo turno, com 46% contra 44% de Lula. “Ela não tem essa ambição, mas foi posta nessa posição por uma parcela significativa dos eleitores”, orgulha-se o pai. “Ela não vai decepcionar o povo brasileiro”, garante o ex-presidente. “Estou só rezando”, conta a mãe, dona Marly, que, para driblar a ansiedade, tem repetido o método que usou quando o marido era presidente: parou de ler jornais e revistas. A dez meses das eleições, e a três meses do prazo para deixar o atual cargo, Roseana não se esquiva. “Não procurei isso, mas está acontecendo. Seria hipócrita se dissesse que estou triste”, diz. Ela já tem na cabeça o esboço do seu programa de governo, dividido em quatro metas: Desenvolvimento econômico, ambiental, social e político. Ela acha que FHC falhou nas duas últimas. “Essas quatro áreas têm que estar equilibradas para que possamos ter um Brasil melhor. O presidente poderia ter avançado mais na área social e feito uma reforma política”, diagnostica.

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Para o PFL, Roseana caiu do céu. É a chance de ouro para quem apoiou todos os últimos governos que aterrissaram em Brasília sentar finalmente na cadeira de presidente. “Eu prefiro ser PFL, rotulado como conservador, mas que está avançando, do que estar em um partido que era avançado e agora está retroagindo”, alfineta. O recado tem destino certo: o PSDB de seu amigo FHC, partido que no Maranhão está do outro lado do balcão. “As pessoas falam que somos uma oligarquia. O Jaime Santana, cujo pai foi governador, está no PSDB. O Nunes Freire foi outro governador. Depois dele, veio o João Castelo, que hoje está no PSDB. Em seguida foi o Luís Rocha, cujo filho, Roberto Rocha, está no PSDB. Depois de todos eles, veio o Cafeteira. Já estou achando que é uma oligarquia do PSDB”, lista a governadora. O PFL aposta pesado em Roseana, transformando-a na estrela solitária de sua propaganda, sem falar na máquina de comunicação controlada pela família no Estado, com as emissoras de televisão que transmitem a Rede Globo, além do maior jornal, o Estado do Maranhão, e emissoras de rádio na capital e no interior. Curiosamente, o calcanhar-de-aquiles de Roseana, a governadora que tem 88% de aprovação popular, está dentro de casa: o Estado continua muito pobre e não serve como currículo. Desde 1994, os índices sociais melhoraram, mas é um fôlego ainda curto para um Estado na UTI social. “Quem está acostumada a lidar com essa realidade conhece melhor o Brasil”, conclui a governadora. Em um ano que parecia ser feito para a estrela de Marta Suplicy brilhar, 2001 termina indicando que 2002 começa com a luz de um astro inesperado. O ano do cometa Roseana.