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NOVA DITADURA Ação da cavalaria da polícia de Arruda deixou pelo menos oito feridos em atos de protesto

Flagrado como o personagem central do esquema de corrupção mais escandaloso do País, o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, tem se movimentado como um imperador para se manter no cargo. Míope diante das regras de um Estado democrático, ele não hesita em usar o poder para tentar conter as investigações contra si e não pensou duas vezes antes de recorrer à força a fim de evitar manifestações a favor do impeachment. Sob sua ordem, na quarta-feira 9, as ruas de Brasília foram ocupadas pela cavalaria da Polícia Militar do DF e acabaram sendo o cenário de um filme que os brasileiros não viam desde a repressão imposta pela ditadura militar contra os estudantes em 1968 no Rio de Janeiro. Para conter uma manifestação com cerca de duas mil pessoas, Arruda escalou 600 policiais. O Batalhão de Operações Especiais usou gás lacrimogêneo, cachorros e até um helicóptero, de onde atiradores de elite miravam a população com armas potentes. A cavalaria pisoteou os estudantes e não poupou nem os adolescentes, como aconteceu nas escadarias da Igreja da Candelária há 40 anos. Só faltaram os sabres. Oito pessoas foram feridas em frente ao Palácio Buriti, sede do governo local. “As agressões da polícia de Arruda violaram direitos constitucionais”, afirma o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, César Britto. “Houve um erro de intimidação contra os cidadãos. Não podemos deixar a Constituição ser rasgada.”

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SAÍDA A GALOPE Antes de deixar o DEM, Arruda tentou passar por cima do partido

No campo político, Arruda age como se estivesse acima das instituições. Líderes do DEM, como o deputado Ronaldo Caiado (GO) e o senador Demóstenes Torres (GO), queriam expulsá-lo do partido tão logo o escândalo do mensalão de Brasília se tornou público. Outros, mais contidos, como o senador Heráclito Fortes (PI) e o deputado Paulo Bornhausen (SC), exigiam que o governador tivesse tempo para se defender. O presidente da legenda, deputado Rodrigo Maia (RJ), concedeu oito dias para a defesa de Arruda. O governador, no entanto, em vez de apresentar uma defesa, resolveu ignorar o partido e suas instâncias. Recrutou aliados de outras legendas, como o senador Marconi Perillo (PSDB-GO), para pressionar o próprio partido, amea­çou os democratas insinuando que o dinheiro do mensalão de Brasília possa ter financiado campanhas do DEM em diversos Estados e, por fim, tentou dar um golpe na legenda recorrendo à Justiça em busca de uma liminar para impedir qualquer procedimento do DEM. Na tarde da quinta-feira 10, a ministra Carmem Lúcia, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), negou o pedido do governador. Ao receber a informação, Arruda anunciou sua desfiliação do partido. No DEM, a decisão foi comemorada. “Demos uma grande resposta ao caso talvez mais grave de nossa história. Nos diferenciamos dos outros partidos”, afirmou Rodrigo Maia.

Quando deixou a legenda, Arruda disse que não mais seria candidato a cargo eletivo. Difícil de acreditar. Em 2001, quando renunciou ao mandato de senador para não ser cassado por fraudar o painel de votações do Senado, Arruda, às lágrimas, afirmou que jamais voltaria a cometer deslizes na vida pública. Convenceu e conseguiu voltar à política pelo voto direto. Desta vez, apesar do discurso oficial, Arruda já conta com uma equipe de assessores jurídicos para recorrer ao TSE, pedindo nova filiação partidária. Alegará que deixou o partido devido às pressões e, se conseguir outra legenda, planeja se candidatar a deputado federal. Seria uma alternativa para manter o foro privilegiado. Para isso, ele aposta na lentidão da Justiça e no controle que exerce sobre o parlamento local.

O imperador Arruda age para calar a Câmara Distrital, onde será instalada uma CPI e são apreciados três pedidos de impeachment. Na semana passada, ele retirou do governo e devolveu à Câmara dois secretários que têm mandatos: a deputada Eliana Pedrosa (DEM), que estava na Secretaria do Desenvolvimento Social e assumiu a liderança do DEM, e Paulo Roriz (DEM), que deixou a Secretaria da Habitação. Com isso, Arruda consolida a maioria que tem na Câmara. Poderá ter aliados controlando a CPI e as demais comissões por onde deverão passar os pedidos de impeachment. O andar das investigações, no entanto, deverá atrapalhar os planos do governador e os parlamentares poderão ceder às pressões populares.

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CRÉDITO Arruda conseguiu apoio de alguns tucanos como o senador Perillo (à esq.), que tentou ajudá-lo contra o DEM

A subprocuradora da República Raquel Dodge já recebeu informações de que, a exemplo do ex-secretário Durval Barbosa, existe mais gente disposta a fazer delação premiada contra Arruda. Seriam empresários que se dizem extorquidos pelo governador. Em outra frente de investigação, a Polícia Federal encontrou indícios de que o esquema de Brasília possa ter ramificações em outros Estados. Em São Paulo, a polícia vai investigar as ações da empresa brasiliense CTIS, de informática, que tem contratos com a prefeitura e com o governo estadual e teria, segundo agentes ouvidos por ISTOÉ, “trocado posição” com a paulista Uni Repro, especializada em filmagens de documentos, que tem contratos com o governo do DF. Ainda de acordo com a PF, há a suspeita de que o grupo de Arruda pode ter alimentado o DEM carioca e o PSDB mineiro.

Com a Câmara sobre sua tutela, Arruda, nos últimos dias, atua para esconder seu enriquecimento meteórico. Eliana Pedrosa pode contar toda essa história. Como secretária de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda, ela assinou contratos com a empresa Futura Construções e Incorporações. O diretor da empresa é Severo Araújo Dias. Durval Barbosa afirma que Severo é o laranja de Arruda na compra de um haras. O imperador do cerrado comprou por R$ 2,6 milhões o cinematográfico Haras Sparta, uma paradisíaca área próxima de Brasília. A propriedade tem quatro casas, duas baias, galpão para feno, campo de futebol e um pequeno lago. Com a transferência da posse para Arruda, estão sendo construídas casas para “seguranças”, segundo os funcionários. “Fiquei sabendo que o Arruda comprou no nome do Severo”, diz o corretor João do Carmo Vieira, o “Netto”, que anunciou o haras em seu site.

A reportagem de ISTOÉ visitou o haras. “O governador Arruda veio aqui em agosto, no aniversário do filho do Severo”, conta a funcionária Eudenice Silva, que trabalha no Sparta desde o início do ano. “O governador estava de calça jeans e de camisa, ele trouxe a mulher e a filha”. A produtora rural Raelma Alves Ribeiro, que é dona de um boxe no Feirão do Produtor, próximo ao haras, diz que Arruda passa por lá para comprar queijos e doces, todas as vezes que vai visitar seus cavalos. O laranja Severo, há duas semanas, comprou de Raelma R$ 4 mil em mobília para a sede principal. “O Severo me disse o seguinte: ‘Você tem que conhecer o meu anjo da guarda, o governador Arruda’”, diz Raelma. “Depois, o Severo tirou uma foto do governador do bolso e quase beijou a imagem.” Como publicou ISTOÉ, a ex-mulher de Arruda Mariane Vicentini confirma a compra do haras e ainda revela que seu filho, Artur, ganhou um cavalo puro-sangue do pai.

O governador Arruda declara um patrimônio total de R$ 1 milhão. Mas só as salas que comprou num dos edifícios mais nobres de Brasília valem R$ 1,66 milhão. A Receita Federal agora procura mapear todo o império de Arruda. Mas o governador, além das denúncias por corrupção, corre o risco de ter o mesmo destino de Al Capone e ser enquadrado por sonegação fiscal.

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